São informações importantes para entender o que se passa em nossa volta. Não é teoria da conspiração, a conspiração vem trazendo muitos prejuízos ao Brasil. Nós podemos vencer estes desafios. O autor é Pepe Escobar, que dispensa apresentação. Leiam:
Brasil e Rússia sob ataque de “Guerra Híbrida”[1]
“Se o veneno, a paixão, o estupro, a
punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.”
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.”
As flores do mal [1857], Charles
Baudelaire
28/3/2016, Pepe Escobar, RT
_______________________________________________________
Revoluções Coloridas
nunca bastariam. O Excepcionalistão vive à procura de grandes atualizações de
estratégia capazes de garantir a hegemonia perpétua do Império do Caos.
A matriz ideológica e o modus
operandi das revoluções coloridas já são, hoje, assunto de domínio público.
Mas não, ainda, o conceito de Guerra Não Convencional (GNC) [orig. Unconventional
War (UW).
Essa guerra não convencional
apareceu explicada no manual das Forças Especiais
para Guerra Não Convencional dos EUA, em 2010. O parágrafo chave é:
“1-1. A intenção dos esforços de GNC dos EUA é explorar vulnerabilidades políticas, militares, econômicos e psicológicos de um poder hostil, mediante o desenvolvimento e sustentação de forças de resistência, para alcançar os objetivos estratégicos dos EUA. (…) Para o futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerra irregular”
“Hostil” não se aplica apenas a potências militares; qualquer estado que se atreva a desafiar alguma trampa importante para a “ordem” mundial Washington-cêntrica – do Sudão à Argentina –, pode ser declarado “hostil”.
“1-1. A intenção dos esforços de GNC dos EUA é explorar vulnerabilidades políticas, militares, econômicos e psicológicos de um poder hostil, mediante o desenvolvimento e sustentação de forças de resistência, para alcançar os objetivos estratégicos dos EUA. (…) Para o futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerra irregular”
“Hostil” não se aplica apenas a potências militares; qualquer estado que se atreva a desafiar alguma trampa importante para a “ordem” mundial Washington-cêntrica – do Sudão à Argentina –, pode ser declarado “hostil”.
Hoje, as ligações perigosas entre
Revoluções Coloridas e Guerra Não Convencional já desabrocharam, como Guerra
Híbrida: caso pervertido de Flores do Mal. Uma ‘revolução colorida’ é apenas o
primeiro estágio do que, adiante, será convertido em Guerra Híbrida. E Guerra
Híbrida pode ser interpretada, na essência, como a
teoria-do-caos armada – paixão conceitual dos militares dos EUA (“política é
a continuação da guerra por meios linguísticos”). No fundo, meu livro de
2014, Empire of Chaos rastreia as miríades
de manifestações desse conceito.
Os detalhados e bem construídos
argumentos [de Andrew Koribko, um dos capítulos já
traduzidos, e outros em
tradução (NTs)] dessa tese em três partes esclarece
perfeitamente o objetivo central
por trás de uma grande Guerra Híbrida:
“O grande objetivo por trás de toda e qualquer Guerra Híbrida é esfacelar projetos multipolares transnacionais conectivos, mediante conflitos de identidade provocados de fora para dentro (étnicos, religiosos, regionais, políticos, etc.), dentro de um estado de trânsito tomado como alvo.”
Os BRICS – palavra/conceito de péssima reputação em Washington e no Eixo de Wall Street – teriam de ser os alvos preferenciais de Guerra Híbrida. Por incontáveis razões, dentre as quais: o movimento na direção de comerciar e negociar em suas próprias respectivas moedas, deixando de lado o dólar norte-americano; a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS; o confessado interesse na direção da integração da Eurásia, simbolizada pelos projetos: Novas Rotas da Seda – ou, na terminologia oficial, Um Cinturão, uma Estrada [ing. One Belt, One Road (OBOR)] liderados pela China; e União Econômica Eurasiana (UEE) liderada pela Rússia.
“O grande objetivo por trás de toda e qualquer Guerra Híbrida é esfacelar projetos multipolares transnacionais conectivos, mediante conflitos de identidade provocados de fora para dentro (étnicos, religiosos, regionais, políticos, etc.), dentro de um estado de trânsito tomado como alvo.”
Os BRICS – palavra/conceito de péssima reputação em Washington e no Eixo de Wall Street – teriam de ser os alvos preferenciais de Guerra Híbrida. Por incontáveis razões, dentre as quais: o movimento na direção de comerciar e negociar em suas próprias respectivas moedas, deixando de lado o dólar norte-americano; a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS; o confessado interesse na direção da integração da Eurásia, simbolizada pelos projetos: Novas Rotas da Seda – ou, na terminologia oficial, Um Cinturão, uma Estrada [ing. One Belt, One Road (OBOR)] liderados pela China; e União Econômica Eurasiana (UEE) liderada pela Rússia.
Implica que a Guerra Híbrida mais
cedo ou mais tarde atingirá a Ásia Central: o Quirguistão é candidato ideal a
laboratório primário para experimentos tipo revolução colorida, do
Excepcionalistão.
No estado em que estamos hoje, a
Guerra Híbrida está muito ativa nas fronteiras ocidentais da Rússia (Ucrânia)
mas ainda é embrionária em Xinjiang, no extremo oeste da China, que Pequim
microadministra como falcão. A Guerra Híbrida também já está sendo aplicada
para impedir um gambito crucial do Oleogasodutostão: a construção do Ramo
Turco. E também será acionada de pleno para interromper a Rota da Seda dos
Bálcãs – essencial para os negócios/comércio da China com a Europa Ocidental.
Dado que os BRICS são
o único real contrapoder ante o Excepcionalistão, foi preciso desenvolver uma
estratégia para cada um dos principais atores. Jogaram tudo contra a Rússia –
de sanções à mais total demonização; de ataque contra a moeda russa até uma
guerra dos preços do petróleo, que incluiu até algumas (patéticas) tentativas
de iniciar uma revolução colorida nas ruas de Moscou.
Para nodo mais fraco no grupo
BRICS, teria de ser desenvolvida estratégia mais sutil. O que afinal nos leva
até a complexíssima Guerra Híbrida que se vê hoje lançada com o objetivo de
conseguir a mais massiva e real desestabilização política/econômica do Brasil.
No Manual dos EUA para Guerra Não
Convencional lê-se que fazer balançar as percepções de uma vasta “população
média não engajada” é essencial na rota do sucesso, até que esses “não
engajados” acabem por voltar-se contra os líderes políticos.
O processo inclui de tudo, de “apoiar
grupos insurgentes” (como foi feito na Síria) até implantar “o mais amplo
descontentamento, mediante propaganda e esforços políticos e psicológicos para
desacreditar o governo” (como no Brasil). E, à medida que uma insurreição
vá crescendo, deve-se “intensificar a propaganda e a preparação psicológica
da população para a rebelião”.Assim, num parágrafo, está pintado o caso do
Brasil.
Precisamos de um
Saddam para chamar de nosso
O principal objetivo do
Excepcionalistão é quase sempre conseguir um mix de revolução colorida e
guerra não convencional. Mas a sociedade brasileira e sua vibrante democracia
sempre seriam sofisticadas demais para uma abordagem de Guerra Não Convencional
hardcore, como sanções ou o conto da “Responsabilidade de Proteger”
(R2P).
Não surpreende que São Paulo
tenha sido convertido em epicentro da Guerra Híbrida contra o Brasil. São
Paulo, o estado mais rico do Brasil, onde está também a capital econômica e
financeira da América Latina, é o nodo chave numa estrutura de poder interconectada
nacional/internacional.
O sistema da finança global
centrado em Wall Street – e que governa virtualmente todo o Ocidente –
simplesmente não poderia de modo algum permitir qualquer ação de plena
soberania nacional, num ator regional com a importância do Brasil.
A ‘Primavera Brasileira”, de
início, foi virtualmente invisível, fenômeno exclusivamente das mídias sociais
– como na Síria, no início de 2011.
Então, em junho de 2013, Edward
Snowden vazou aquelas sempre as mesmas práticas de espionagem da Agência de
Segurança Nacional dos EUA. No Brasil, a ASN-EUA espionava a Petrobrás por
todos os lados. E então, de repente, sem mais nem menos, um juiz regional,
Sergio Moro, baseado numa única fonte – depoimento de um corretor clandestino
de câmbio no mercado negro (“doleiro”) – teve acesso a uma grande lixeira de
documentos da Petrobrás. Até agora, a investigação de corrupção que já dura
dois anos, “Operação Car Wash“, ainda não revelou como conseguiram saber
tanto sobre o que os próprios investigadores chamam de “célula criminosa” que
agiria dentro da Petrobrás.
O que realmente interessa é que o
modus operandi da revolução colorida – a “luta contra a corrupção” e “em
defesa da democracia” – já estava posta em andamento. Foi o primeiro passo
da Guerra Híbrida.
Assim como o Excepcionalistão
inventou terroristas“bons” e terroristas “maus” cujos confrontos
criaram a mais terrível confusão e agitações por todo o “Siriaque”, no
Brasil surgiu a figura do corrupto “bom” e do corrupto“mau”.
Wikileaks também revelou como o
Excepcionalistão classificava o Brasil como “ameaça à segurança nacional dos
EUA”, porque poderia
projetar um submarino nuclear[esse
Wicki-telegrama é de 2009, o mesmo ano do ‘curso’ que o juiz Moro fez no Rio de
Janeiro. Só pode ter sido por acaso (NTs)]; como a empresa construtora
Odebrecht estava-se tornando global; como a Petrobrás desenvolvera, a própria
empresa, a tecnologia para explorar os depósitos de petróleo do pré-sal (a
maior descoberta de petróleo confirmada desse início do século 21, da qual o Big
Oil foi excluído por, ninguém mais, ninguém menos, que o presidente Lula.[2]
Adiante, por efeito das revelações de Snowden, o governo Rousseff passou a exigir que todas as agências governamentais usassem empresas de tecnologia estatais, para atender todas as necessidades do governo. Significaria que as empresas norte-americanas do setor perderiam, em dois anos, ganhos já previstos de $35 bilhões, se fossem alijadas dos negócios de tecnologia da 7ª maior economia do mundo – como o grupo Information Technology & Innovation Foundation rapidamente descobriu.
Adiante, por efeito das revelações de Snowden, o governo Rousseff passou a exigir que todas as agências governamentais usassem empresas de tecnologia estatais, para atender todas as necessidades do governo. Significaria que as empresas norte-americanas do setor perderiam, em dois anos, ganhos já previstos de $35 bilhões, se fossem alijadas dos negócios de tecnologia da 7ª maior economia do mundo – como o grupo Information Technology & Innovation Foundation rapidamente descobriu.
O futuro acontece
agora
A marcha na direção de Guerra
Híbrida no Brasil pouco tem a ver com direita ou esquerda política. Consiste,
basicamente, de mobilizar algumas famílias ricas que realmente governam o país;
subornar fatias imensas do Congresso; pôr sob estrito controle as principais
empresas de mídia; pôr-se a agir como senhores de engenho de escravos do século
19 (as relações sociais da escravidão ainda permeiam todas as relações na
sociedade brasileira); e legitimar a coisa toda com discursos de uma tradição
intelectual robusta, mas oca.
Todos esses dariam o sinal para
mobilizar as classes médias altas.
O sociólogo Jesse de Souza
identificou um fenômeno freudiano de “gratificação de substituição”, pelo qual
as classes médias altas brasileiras – que, em grandes números vivem agora a
exigir mudança de regime – imitam os poucos muito ricos, ao mesmo tempo em que
são cruelmente exploradas por eles, mediante montanhas de impostos e taxas de
juros estratosféricas.
Os 0,0001% mais ricos e as
classes médias altas precisavam de um Outro para demonizar – à moda do
Excepcionalistão. E ninguém seria mais perfeito para o complexo
judicial-policial-midiático-velhas-elites-comprador, que a figura que
tratariam de converter num Saddam Hussein tropical: o ex-presidente Lula.
“Movimentos” de ultradireita
financiados pelos nefandos Koch Brothers repentinamente começaram a surgir nas
redes sociais e em movimentos de rua. O advogado-geral do Brasil visitou o
Império do Caos chefiando uma equipe da “Operação Car Wash para entregar
informações da Petrobrás que talvez levassem a uma acusação formal pelo
Departamento de Estado.
A “Operação Car Wash” e o
– imensamente corrupto – Congresso brasileiro, o mesmo que, agora, vai decidir
sobre um possível impeachment da presidenta Rousseff, já se mostram
absolutamente indistinguíveis, uma e outro.
Àquela altura, os autores do
roteiro estavam certos de que já havia uma infraestrutura implantada para
mudança de regime no Brasil na numa massa-crítica antigoverno, o que pode levar
ao pleno desabrochar da revolução colorida. E assim se pavimentou a trilha para
um golpesoft no Brasil – sem nem ser preciso recorrer ao letal
terrorismo urbano (como na Ucrânia).
Problema hoje é que, se o tal
golpe soft falhar – como agora já parece pelo menos possível que falhe
–, será muito difícil desencadear golpe hard, de estilo Pinochet, com
recursos de Guerra Não Convencional, contra o governo sitiado de Rousseff; vale
dizer, completar o ciclo de uma Guerra Híbrida Total.
Num plano socioeconômico, a
“Operação Car Wash” só seria plenamente “bem-sucedida” se levasse a um
afrouxamento das leis brasileiras sobre exploração de petróleo, abertura do
país ao Big Oil dos EUA. Paralelamente, todos os gastos em programas
sociais teriam de ser esmagados.
Mas, diferente disso, o que se vê
agora é a mobilização progressiva da sociedade civil no Brasil contra esse
cenário de golpe branco/soft em cenário de golpe/mudança de regime.
Atores crucialmente importantes
na sociedade brasileira estão agora firmemente posicionados contra oimpeachment
da presidenta Rousseff, da Igreja Católica a grandes igrejas evangélicas;
professores universitários respeitados; pelo menos 15 governadores de estados;
artistas, massas de trabalhadores da ‘economia informal’, sindicalistas;
intelectuais públicos; a grande maioria dos principais advogados do país; e
afinal, mas não menos importante, o “Brasil profundo” que votou e elegeu
Rousseff legalmente, com 54,5 milhões de votos.
Ainda não acabou e só acabará
quando algum homem gordo na Suprema Corte do Brasil cantar. O que é certo é que
já há pensadores brasileiros independentes que começam a construir as bases
teóricas para estudar a “Operação Car Wash” não como mera ‘investigação’
ou ‘movimento’ massivo “contra a corrupção”; mas, isso sim, como legítimo caso
exemplar, a ser estudado, de estratégia geopolítica do Excepcionalistão
aplicada a ambiente globalizado sofisticado, com ativas redes sociais e
dominado pelas TIs.
Todo o mundo em desenvolvimento
muito tem a ganhar, se se mantiver com os olhos bem abertos – e aprender as
lições que dali brotem, porque é bem possível que o Brasil venha a entrar para
a história como caso exemplar de Guerra Híbrida (só) Soft. *****
[1] Ver também “Guerras
Híbridas”: Abordagem adaptativa pós-tudo da ‘mudança de regime’, 4/3/2016, Andrew Korybko, Oriental
Review, traduzido no Blog do Alok.
[2] Esse telegrama
intitulado “BRAZIL’S NEW DEFENSE STRATEGY – STRATEGY FOR DEVELOPMENT”, datado
de 9/1/2009, classificado como “confidencial” e assinado pelo embaixador Clifford
M. Sobel, é muito importante. Ali se lê, dentre outras coisas, que o então
Ministro para Questões Estratégicas do governo Lula, Professor Roberto
Mangabeira Unger é, dito em inglês, com detalhes, perfeito demônio
perigosíssimo, com mania de “independência”. O principal perigo é o seguinte:
“Ao conectar a reforma do setor de segurança, com a visão mais ampla de
desenvolvimento do governo Lula, a Estratégia põe os militares, pela 1ª vez,
desde o fim da ditadura militar em 1985, em lugar de destaque na agenda
nacional e reivindica mais recursos para os ministérios militares [A agenda foi
assinada e oficializada pelo presidente Lula dia 18/12/2008; o ‘curso’ do qual
o juiz Moro participou no RJ, dado pela Embaixada dos EUA aconteceu dias
4-9/10/2009. Só coincidências, evidentemente (NTs)]
Nenhum comentário:
Postar um comentário