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sábado, 26 de maio de 2012

Memórias de uma guerra suja 1


O livro Memórias de uma Guerra suja, do amigo Rogério Medeiros e Marcello Netto será, sem dúvida, uma das referências importantes para guarnecer a Comissão da Verdade. Não há dois lados a investigar, isso é proselitismo de quem quer justificar o terror de Estado. A farsa cai por terra, a partir da ampla divulgação de documentos disponíveis nos arquivos e de reportagens como esta, do livro reportagem, que entra para a história do país.
Vale a pena ler a resenha de Pedro Pomar.

Notas sobre o “livro-bomba” do ex-delegado Guerra
por Pedro Pomar

Já chegou às livrarias “Memórias de uma guerra suja” (editora Topbooks, 291 páginas), que traz longo depoimento do ex-delegado de polícia Cláudio Guerra sobre os crimes que cometeu a serviço da Ditadura Militar, recolhido pelos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto. São fortes revelações, que causaram algum impacto na mídia depois que o jornalista Tales Faria (IG) antecipou diversos trechos do livro. Entre os ex-presos políticos e os familiares das vítimas da Ditadura causou reações distintas: uma parte enxerga nele uma contribuição positiva ao desvendamento das atrocidades cometidas pelos militares e por seus cúmplices civis, mas há quem o considere uma provocação destinada a tumultuar o ambiente pré-Comissão Nacional da Verdade.

Após ler a obra, convenci-me de que se trata de importantíssimo subsídio para uma investigação acurada de diversos episódios-chave da repressão política levada a cabo pelo regime militar. Isso não quer dizer que se deve tomar por integralmente corretas e confiáveis as versões apresentadas por Cláudio Guerra para os muitos casos apresentados no livro. Mas uma parcela substancial das suas narrativas parece crível e merece, no mínimo, uma apuração séria de órgãos como Polícia Federal, Ministério Público Federal, Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e, finalmente, a Comissão Nacional da Verdade, quando constituída.

credencias de Paulo Guerra  com 
licença para matar
É bem verdade que o modo de contar do ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) do Espírito Santo, pontilhado de autoelogios (por exemplo, “exímio atirador de elite”, p. 35), de histórias que parecem fantasiosas (como a viagem de ida e volta a Angola, num só dia, para executar um atentado à Rádio Nacional daquele país, p. 139), e de passagens obscuras ou mal explicadas não ajuda a formar opinião favorável. Mas suas afirmações sobre certos episódios são verossímeis, o que ficou demonstrado por apurações iniciais.

A Usina Cambahyba
Uma das mais impactantes revelações de Guerra é a de que pelo menos onze corpos de militantes de esquerda torturados e assassinados pela Ditadura Militar foram incinerados por ele na década de 1970, no forno da usina de açúcar Cambahyba, localizada em Campos (RJ) e pertencente ao então vice-governador Heli Ribeiro Gomes. No livro ele cita dez corpos, mas em visita posterior ao local o ex-delegado lembrou-se de outro. A visita foi acompanhada por um dos jornalistas co-autores (Marcelo Netto), por agentes da Polícia Federal e pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro. Segundo o advogado, um antigo funcionário relatou a presença frequente de militares na usina.

Neste caso específico, as declarações do ex-delegado são bastante consistentes. A narrativa do fato tem coerência interna. Além disso, a “solução” encontrada para fazer sumirem os corpos dos militantes assassinados é tão brutal quanto outras já conhecidas (esquartejamento, queima de ossadas). As datas também coincidem. Guerra diz que a decisão de incinerar foi tomada em fins de 1973 (p. 50). As pessoas cujos corpos teriam sido incinerados foram capturadas e assassinadas em dezembro de 1973, como João Batista Rita (M3G) e Joaquim Pires Cerveira (FLN); em 1974, como João Massena Melo, José Roman, Davi Capistrano, Luis Ignácio Maranhão Filho (todos do PCB), Fernando Santa Cruz e Eduardo Collier Filho (ambos da APML), Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva (ambos da ALN); em 1975, como Armando Frutuoso (PCdoB).

Também do ponto de vista geográfico a explicação é plausível, pois quase todos esses militantes passaram pelos cárceres do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do I Exército, na rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, e vários foram sabidamente conduzidos à “Casa da Morte”, em Petrópolis. Portanto a usina Cambahyba era relativamente próxima do local onde as pessoas foram assassinadas.

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