Recomendo a leitura do belo texto de Belluzzo, chamando à reflexão sobre os rumos que queremos dar à sociedade que estamos a construir. Importante parar um pouco e pensar (alguns devem fazer um esforço bem grande). Pensar no que é a nossa sociedade, como ela funciona. Será que ela pode ser diferente? Leia o texto de Belluzzo, vale a pena.
Aliás, o número especial da Carta Capital, Especial 600, trás opinião de variadas parcelas da sociedade: empresários, industriais, militantes, filósofos, sociólogos, artistas, ...
Temos de superar o velho desenvolvimento que admitia o avanço social como consequência natural do crescimento econômico
Luiz Gonzaga Belluzzo
EM 2003, todos auguravam um desastre para a economia brasileira, mas o que se observou foi a progressiva aceleração do crescimento do PIE num ambiente de baixa inflação. À sombra de uma política monetária bastante conservadora, o País executou uma política fiscal prudente e uma estratégia de acumulação de reservas, construindo defesas sólidas para prevenir os efeitos da crise. Isto foi proporcionado, já dissemos, por uma conjuntura internacional excepcionalmente favorável.
Luiz Gonzaga Belluzzo
EM 2003, todos auguravam um desastre para a economia brasileira, mas o que se observou foi a progressiva aceleração do crescimento do PIE num ambiente de baixa inflação. À sombra de uma política monetária bastante conservadora, o País executou uma política fiscal prudente e uma estratégia de acumulação de reservas, construindo defesas sólidas para prevenir os efeitos da crise. Isto foi proporcionado, já dissemos, por uma conjuntura internacional excepcionalmente favorável.
Nesse ambiente benfazejo, a política monetária do governo Lula manteve a taxa de juros e o câmbio fora do lugar. Criou-se uma situação do tipo "há bens que vêm para o mal", ou seja, o câmbio valorizado era compensado pelos preços generosos formados num mercado mundial superaquecido e especulado.
Nessas condições, seria não só desejável, mas obrigatório, buscar uma combinação câmbio-juro real mais estimulante para a substituição de importações, o avanço das exportações nos segmentos de maior intensidade tecnológica e para o investimento em novos setores, mais dinâmicos.
Nessas condições, seria não só desejável, mas obrigatório, buscar uma combinação câmbio-juro real mais estimulante para a substituição de importações, o avanço das exportações nos segmentos de maior intensidade tecnológica e para o investimento em novos setores, mais dinâmicos.
O crescimento da indústria é almejado porque impõe a diversificação produtiva e torna mais densas as relações intrassetoriais e intersetoriais, proporcionando, ao mesmo tempo, ganhos no comércio exterior e na economia doméstica. Esta façanha exige a elevação da taxa de investimento da economia dos atuais 20% para 25%do PIE. Mas isto não vai cair do céu.
Em vez de papagaiadas ideológicas, o pragmatismo chinês tratou de compreender a natureza das forças que movem hoje as transformações do capitalismo. Sabem, ademais, que vivem em um mundo em que prevalece a assimetria de poder, não só político, mas econômico. A liberdade de gestão monetária capaz de promover a estabilidade do câmbio e dos juros depende, numa economia emergente de alto crescimento, da acumulação de reservas. Por sua vez, a acumulação de reservas, sem danos fiscais, só pode ocorrer com taxas de juro baixas. Esta é a regra do jogo hoje.
Em 2008, o Brasil sofreu uma crise de confiança que se manifestou no encolhimento da liquidez no mercado interbancário e travou o crédito para empresas e consumidores. Isso impactou rapidamente o setor privado, que cortou drasticamente a produção corrente e, sobretudo, reduziu os gastos de investimento.
Não há dúvida de que o Brasil foi beneficiado pelo comportamento das commodities, cujos preços não sofreram perdas consideráveis, como em outras ocasiões. O Brasil desvencilhou-se da crise porque o governo estava estava preparado e adotou as medidas anticíclicas corretas quando sobreveio a tormenta. O governo brasileiro reagiu com competência ao impacto da crise de 2007-2008. A ação das autoridades e dos bancos públicos foi decisiva para reabilitar o crédito, sobretudo mediante a compra de carteiras das instituições de porte médio e da ação tempestiva do BNDES na sustentação do crescimento do funding de longo prazo.
Mas essa foi uma ação conjuntural. Quais são os trabalhos a longo prazo? O Brasil sofreu perdas na composição de muitas cadeias industriais, como eletroeletrônica, bens de capital e farmacêutica. Os otimistas argumentam que, ainda assim, o País preservou uma fração importante do aparato industrial e, sobretudo, valeu-se do dinamismo do agronegócio, que respondeu muito rapidamente às transformações ocorridas na divisão internacional do trabalho. A ascensão econômica da China e dos asiáticos em geral, com dotações de recursos naturais diferentes da nossa. Mudou a configuração do comércio internacional.
A despeito dos benefícios, a nossa relação com a China, a exemplo, começou a ficar assimétrica: tornamo-nos fornecedores de commodities, dada a nossa grande e diversificada disponibilidade de recursos naturais. e começamos a perder começamos a perder espaço na esfera industrial, perder participação nos terceiros mercados, permitindo, ademais, um crescimento das importações que denotam a substituição perigosa da produção doméstica.
Está na hora de estabelecer critérios nas negociações que reequilibrem essa relação, pois não é possível um país de 200 milhões de habitantes sofrer uma perda industrial por conta de uma integração produtiva e comercial imprópria.
Alguém me perguntou outro dia o que o Brasil pretende do seu desenvolvimento. Vou falar, em primeiro lugar, da infraestrutura. Estamos diante de um binômio transporte-energia que não utiliza racionalmente nossa constelação de recursos e a distribuição espacial das atividades, cada vez mais descentralizada. O modelo da "automobilização" não tem futuro - nem mesmo com o carro elétrico -, porque sua reprodução tornará ainda mais dolorosa a vida urbana. O modelo também é inviável para o transporte de longa distância.
Mais importante do que a infraestrutura é definir o destino que pretendemos dar ao sistema educacional brasileiro, ao caminho que oferecemos aos cidadãos, do ensino básico ao superior. Não se trata apenas de abastecer adequadamente o mercado de trabalho. É importante, sim, formar mais técnicos e engenheiros, carreiras desestimuladas pelo baixo crescimento das últimas décadas. Mas, antes de tudo, é preciso conter a degradação que está ocorrendo em todos os níveis da educação no Brasil: a especialização precoce, em detrimento da formação cultural mais ampla e mais sólida, capaz de permitir a autonomia e a fruição da liberdade pelo cidadão. Pois não se forma um bom engenheiro se o profissional não tem noção do país onde vive, do mundo onde sobrevive.
Na verdade, está-se produzindo hoje, desculpem a expressão, uma geração de idiots savants, que se especializam no seu ramo de atividade e não têm a menor noção do mundo onde vivem. Comentei numa entrevista: basta acompanhar o que você lê na internet. É assustador. Isso demanda maior empenho, sobretudo das camadas "esclarecidas" da sociedade civil, na construção de uma política cultural compatível com a democracia de massas.
Assim, a infraestrutura, a educação formal e a política cultural são as três questões fundamentais. Temos de superar o velho desenvolvimentismo que admitia o avanço social e cultural como consequência natural do desenvolvimento econômico e nos perguntar: que sociedade desejamos? Os grandes autores perscrutaram a história para responder a questão: o que somos nós, os brasileiros? É hora de perguntar: que sociedade queremos?
Quando me refiro a uma política cultural, estou falando de uma integração do indivíduo, dos grupos sociais ao mundo contemporâneo; saber, afinal de contas,quais são os valores que queremos preservar. Imagino que sejam os mesmos que a modernidade colocou como um desafio para a nossa ação política: a liberdade, a igualdade e a compreensão.
O que estamos assistindo, hoje, desgraçadamente, no mundo inteiro e acho que no Brasil com mais intensidade, é um processo de obscurecimento, e nesse particular tem enorme importância o que queremos dos meios de comunicação de massa. Hoje em dia você tem um grande debate travado em torno da liberdade de expressão. A mídia, a grande mídia, sob a consigna da liberdade de expressão trata de impedir que se desenvolva o verdadeiro debate sobre o Brasil ou sobre os temas que afligem a humanidade. Contra esse controle, temos de lutar pela diversidade. Promover a diversidade é uma obrigação das políticas públicas: não deixar que o poder da informação, concentrado em poucas empresas, se transforme em censura da opinião alheia. Porque a internet ainda é uma caixa de ressonância da grande imprensa: os blogs e quejandos, em sua maioria, reproduzem o que a grande imprensa diz, na forma e no conteúdo, porque estão com a consciência crítica danificada.
O projeto da liberdade não pode, como dizia Adorno, se separar da questão da compreensão, do entendimento, da crítica e da capacidade de se formular projetos. E isso está bloqueado hoje, no Brasil, por conta da banalização da vida e da celebração das celebridades. Tudo está sendo feito para que a sociedade se transforme em uma massa amorfa que não tem papel nenhum a desempenhar na projeção de seu próprio destino. <.>
CARTA CAPITAL Especial 600 / 16 DE JUNHO DE 2010 , págs 48 e 49
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