quinta-feira, 16 de abril de 2009

Para entender a crise


Ignacio Ramonet escreve sobre a atual crise do capitalismo, fazendo uma minuciosa análise da história do capitalismo, desmascarando mitos e dando uma aula de economia.


Leitura necessária.


O krach perfeito, novo livro de Ignacio Ramonet


por Doulas Estevam, de Paris, para Brasil de Fato

Ignacio Ramonet acaba de publicar seu mais recente trabalho, “O krach perfeito, crise do século e refundação do futuro”, no qual desenvolve uma minuciosa análise dos eventos que, para o autor, se configuram como uma precipitação do “fim de uma era do capitalismo”, em que “o sistema financeiro internacional foi comprometido como nunca antes. Pior do que em 1929”.

Em um ensaio conciso, a descrição dos elementos ideológicos, políticos e econômicos que configuraram as bases da atual crise financeira se articulam com a exposição da emergência de uma ordem mundial marcada pela globalização neoliberal em detrimento dos mecanismos de regulação, estímulos econômicos e investimentos públicos realizados pelo Estado que, somados às políticas de pleno emprego, haviam caracterizado o período anterior, fortemente influenciado pelo pensamento de Keynes. Ele enfatiza ainda um outro fenômeno inédito que se produziu no último ano: a alta simultânea dos preços do petróleo, dos produtos primários e dos produtos alimentares. “Todos os elementos são reunidos para um krach [equivalente francês ao termo inglês crash] perfeito, que só vemos uma vez a cada século”.

Arqueologia do krach

“Tudo começou em 15 de agosto de 1971. Neste dia, o presidente estadunidense Richard Nixon anuncia que os EUA suspendem a conversibilidade do dólar em ouro”. Chegava ao fim o sistema de Bretton Woods e abria-se o caminho às manobras monetárias de Washington e à desregulamentação financeira, marcos de um novo capitalismo.

Em sua Arqueologia do Krach, título do primeiro capítulo do livro, as teorias dos “três oráculos do neoliberalismo” Schumpeter, Hayek e Milton Friedman, são analisadas. A presença dos teóricos formados pela Escola de Chigago (da qual os dois últimos foram os maiores expoentes) nas ditaduras de Pinochet no Chile e de Suharto na Indonésia, em 1971, e depois, no início dos anos oitenta, nos governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, na Inglaterra e Estados Unidos, marcam a chegada ao poder da chamada “revolução conservadora”. Centradas em um “neoliberalismo agressivo, redobrada por um anti-keynesianismo militante”, suas teses, que têm como principal objetivo “chegar ao fim da longa tradição de intervenção econômica e social do Estado, dominaram o campo teórico do capitalismo real dos últimos trinta anos”.

Schumpeter introduziu o conceito de destruição criativa, para o qual a lógica do capitalismo seria marcada por uma constante inovação, tendo singular importância a inovação tecnológica e a figura do empreendedor.

Hayek, “muito mais ideológico, o verdadeiro mestre do pensamento, o profeta dos neoliberais”, defendia um conceito próprio de ”Estado mínimo, desprovido de poder de intervenção econômica, e a ideia de que o mercado tem sempre razão”. O teórico americano Milton Friedman contribuiu com sua tese da nova violência capitalista. Para ele, “o livre mercado é um sistema científico perfeito” e o “Estado teria como única função proteger nossa liberdade contra os inimigos externos”.

“Ao longo dos anos 80, as principais firmas multinacionais, os bancos de Wall Street, o Federal Reserve dos Estados Unidos e os organismos financeiros internacionais, elaboram em comum, sob a base destes comandos neoliberais, uma doutrina feita de competitividade, disciplina orçamentária, reforma fiscal, redução de despesas públicas, liberalização de trocas comerciais, financeiras e privatizações massivas do setor público”.

Estas medidas são postas em prática com os “programas de ajustamento estrutural”. No final da década de oitenta e início dos anos noventa, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, ficava “suprimido o principal obstáculo político à expansão do neoliberalismo”, dando aos neoliberais a segurança de que “suas concepções de economia foram a chave da vitória”. Responsáveis do Banco Mundial sintetizam as teses neoliberais no “Consenso de Washington”, que o “Pôquer do Mal – FMI, Banco Mundial, OCDE e OMC” se encarregariam de promover, primeiro na América Latina, e logo depois na Ásia e África. É o apogeu do mercado contra o Estado, marcado por uma transformação profunda da política, a adoção de uma globalização que “concerne sobretudo ao setor financeiro. A liberdade de circulação dos capitais tornando-se absoluta, este setor dominando, de longe, a esfera da economia”.

A fábrica do krach

Ramonet dedica uma parte de sua análise às crises que precederam o krach atual. Nesta parte de seu estudo, denominada “A fábrica do krach”, ele percebe o primeiro sintoma da “crise do século” nos eventos que atingiram os “tigres asiáticos” em 1997, que demonstraram claramente que “o sistema financeiro edificado pela teoria neoliberal, com mercados desregulados e liberalizados, atores abusando dos efeitos de alavancagem e capitais internacionais em movimento permanente, estava se tornando perigosamente frágil”. Recuando no tempo, ele menciona os impactos da crise do México, amenizada por uma massiva intervenção dos Estados Unidos.

A revolução da internet, que no início da década de noventa “parecia confirmar as duas teses schumpeterianas: a da mudança de cíclo, provocada pelo salto tecnológico, e a da destruição criativa”, foi duramente abalada pela explosão da Bolha da Internet. Os especuladores estavam persuadidos de que “uma das transformações mais rápidas que o mundo conheceu, em virtude das leis da destruição criativa” obrigaria as empresas a “se adaptarem, a investir enormemente em equipamentos de informática, telecomunicações, redes numéricas, cabos ópticos etc. As perspectivas de crescimento pareciam ilimitadas”. As cotações das ações das empresas de internet explodem, as “stock options desempenham um papel importante nesta febre” e, depois de cinco anos de especulação, em março de 2000, a bolha explode.

Os outros exemplos são as empresas Enron e Parmalat. Reconhecida como “um modelo de audácia e modernidade, de governabilidade de empresa, com a capacidade de melhor operar nos mercados desregulamentados de produtos derivados”, a norte-americana Enron conseguiu um aumento de 90% do valor de suas ações em único ano. “A ascensão do valor das ações fazia calar os últimos céticos”. Seu sucesso se devia a escandalosos métodos fraudulentos. Em 2001 foi descoberto que a empresa “exagerava artificialmente seus rendimentos, ocultando déficits, utilizando uma infinidade de sociedades fantasmas e falsificando suas contas”, tudo em cumplicidade com uma agência de auditoria. Um prejuízo de 68 bilhões de dólares.

A Parmalat, outro “exemplo de sucesso impulsionado pela dinâmica da globalização liberal” não ficaria atrás, falsificando documentos, balanços e realizando desvios contábeis que, em 2003, viriam à tona numa operação que envolvia prejuízos de mais de 11 bilhões de euros. Todos estes acontecimentos não foram suficientes para conter os “instintos animais” que, segundo Keynes, a liberdade econômica estimula.

O fim de uma Era de Ouro

Apesar de todas estas crises, o sistema parecia miraculosamente intocável. Um dos artesãos deste milagre foi Alan Greenspan, presidente do Banco Central Americano. Ele desenvolve “uma política agressiva de taxas de juros baixas e encoraja os americanos a se endividarem além de suas possibilidades”. Estimulado pelo contexto de desregulamentação, “surge um novo capitalismo ainda mais brutal e concorrente” para o qual Robert Rubin iria desempenhar um papel central ao implementar as reformas que eliminavam as incompatibilidades entre bancos de investimento e bancos de depósito. “A porta é aberta para toda sorte de excessos da parte de financistas ávidos de rendimentos máximos”. Com estas medidas, os fundos de investimentos se tornam os “novos mestres do universo”.

Essa iniciativa resultou na crise imobiliária norte-americana que, através de uma “indústria financeira hipersofisticada”, acompanhada de uma “engenharia financeira dotada de uma forte criatividade, não cessou de se desenvolver inventando instrumentos (títulos derivados, subprimes, hedge fonds) e técnicas” que provocaram a generalização internacional de uma crise, desencadeando em todo o mundo uma sequência de falências, desempregos, nacionalizações, planos de salvamento e quebras que veríamos eclodir em 2008.

A todas estas crises vêm ainda se juntar as crises energética e alimentar. Para Ramonet, “cada uma delas age sobre as outras. Elas se estimulam. Elas constituem o saldo deplorável de três décadas de neoliberalismo”. A emergência da China como superpotência econômica “é um presságio de que os dias dos Estados Unidos como primeira potência econômica estão contados”. As manifestações sociais que se espalham pelo mundo, como as que se viram nos países mais afetados pela crise alimentar, as que se realizaram na Grécia, ou a eleição de Obama, que gerou um entusiasmo que pode “rapidamente se transformar em decepção, frustação e cólera”, são para o autor sinais de emergência da questão social que se coloca “no coração do debate político”.

Contudo, Ramonet reconhece que “este krach talvez não signifique o fim do capitalismo, que já conheceu outros e conseguiu se recuperar”, mas não deixa de perceber que, mesmo num contexto de vazio teórico das esquerdas, “a crise atual, pela sua extensão e intensidade, fornece a ocasião de transformar, enfim, a arquitetura geoeconômica e geopolítica do mundo”.

Douglas Estevam é correspondente do Brasil de Fato, em Paris.

Um comentário:

Valmir disse...

Adorei esse texto Leila! ;)

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