Beatriz Kushnir: a estreita união entre imprensa e ditadura
O conjunto da grande mídia ignorou o lançamento de Cães de Guarda — Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988 (Boitempo Editorial, 2004). Não era para menos. O livro da historiadora Beatriz Kushnir tocava num dos pontos mais nebulosos da história do Brasil — a relação colaboracionista entre a imprensa e o regime militar (1964-1985). Em entrevista por e-mail ao Vermelho, Beatriz conta a gênese e as descobertas de Cães de Guarda, com destaque para o engajado apoio da Folha da Tarde à ditadura.
Por André Cintra
A Boitempo encaminhou Cães de Guarda a muitos jornalistas que solicitaram exemplares — inclusive profissionais da Folha de S.Paulo. Quase nada, porém, foi publicado sobre o livro. A que você atribui tamanho veto?Os jornais são empresas de comunicação — estruturas privadas que vendem um bem público: a notícia. Mas nelas só sai o que o dono quer, como dizia o jornalista Cláudio Abramo.
Sobre o tema da censura à imprensa durante o regime militar, já existem dezenas de trabalhos acadêmicos que viraram livros. O que Cães de Guarda acrescenta a esses estudos? Quais foram as principais descobertas e conclusões de sua pesquisa?O diferencial é que o livro trabalha com uma documentação interna. Localizei o acervo do Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP), bem como o material da Academia Nacional de Polícia, que treinava os censores. O estudo focaliza a relação dos jornalistas com os censores no Brasil, durante a República e em especial de 1968 a 1988.
Busca-se demonstrar a existência de jornalistas que foram censores federais — e que também foram policiais enquanto jornalistas nas redações. Escrevendo nos jornais, ou riscando o que não poderia ser dito ou impresso, colaboraram com o sistema autoritário daquele período. Assim como nem todas as redações eram de esquerda, nem todos os jornalistas fizeram do ofício um ato de resistência ao arbítrio.
Recuo a março de 64 e à legislação censória no período republicano, como por vezes retorno ao início do século 20, demonstrando mais continuidades do que rupturas nesta relação. Centrei a reflexão nos jornalistas de formação e atuação, que trocaram as redações pela burocracia e fizeram parte do DCDP, órgão subordinado ao Ministério da Justiça, cargo de Técnicos de Censura.
Há uma diferença nada desprezível entre apoiar um regime ditatorial e colaborar com ele. Ciente disso, você afirma que a maioria da grande imprensa não só apoiou (o que é público e notório) como também colaborou (o que, por sua vez, não é tão disseminado). De que forma se deu esse vínculo?Se muitos dos censores eram jornalistas, em uma parte da grande imprensa, no período pós-1968, havia jornalistas que eram policiais. Neste sentido, trata-se de mapear uma experiência de colaboracionismo de uma parcela da imprensa com os órgãos de repressão no pós-AI-5. Tem-se como mote a atuação de alguns setores das comunicações do país e suas estreitas (permissivas) conexões com a ditadura civil-militar do pós-1964.
Além de não fazer frente ao regime e às suas formas violentas de ação, parte da imprensa também apoiou a barbárie. Utilizo esse termo, colaboracionismo, porque compreendo as atitudes tomadas como algo mais que uma adesão aos pressupostos do pós-1964 e principalmente do pós-1968. Além de apoio, também é compromisso — por isso colaborar tornou-se mais acertado do que aderir. Não dá para se eximir. Quem tem mais culpa? É o dono do jornal, é o jornalista? São circunstâncias que se dialogam.
Não estou dizendo que todo jornalista exerceu um papel de colaboração, nem que todas as empresas de jornalismo foram colaboracionistas. Analisei o caso específico de um grande jornal, mas você pode estender para outros casos. Esse termo do colaboracionismo é um termo que dói de ouvir. Isso reflete muito do país, da formação, dos processos econômicos.
Por André Cintra
A Boitempo encaminhou Cães de Guarda a muitos jornalistas que solicitaram exemplares — inclusive profissionais da Folha de S.Paulo. Quase nada, porém, foi publicado sobre o livro. A que você atribui tamanho veto?Os jornais são empresas de comunicação — estruturas privadas que vendem um bem público: a notícia. Mas nelas só sai o que o dono quer, como dizia o jornalista Cláudio Abramo.
Sobre o tema da censura à imprensa durante o regime militar, já existem dezenas de trabalhos acadêmicos que viraram livros. O que Cães de Guarda acrescenta a esses estudos? Quais foram as principais descobertas e conclusões de sua pesquisa?O diferencial é que o livro trabalha com uma documentação interna. Localizei o acervo do Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP), bem como o material da Academia Nacional de Polícia, que treinava os censores. O estudo focaliza a relação dos jornalistas com os censores no Brasil, durante a República e em especial de 1968 a 1988.
Busca-se demonstrar a existência de jornalistas que foram censores federais — e que também foram policiais enquanto jornalistas nas redações. Escrevendo nos jornais, ou riscando o que não poderia ser dito ou impresso, colaboraram com o sistema autoritário daquele período. Assim como nem todas as redações eram de esquerda, nem todos os jornalistas fizeram do ofício um ato de resistência ao arbítrio.
Recuo a março de 64 e à legislação censória no período republicano, como por vezes retorno ao início do século 20, demonstrando mais continuidades do que rupturas nesta relação. Centrei a reflexão nos jornalistas de formação e atuação, que trocaram as redações pela burocracia e fizeram parte do DCDP, órgão subordinado ao Ministério da Justiça, cargo de Técnicos de Censura.
Há uma diferença nada desprezível entre apoiar um regime ditatorial e colaborar com ele. Ciente disso, você afirma que a maioria da grande imprensa não só apoiou (o que é público e notório) como também colaborou (o que, por sua vez, não é tão disseminado). De que forma se deu esse vínculo?Se muitos dos censores eram jornalistas, em uma parte da grande imprensa, no período pós-1968, havia jornalistas que eram policiais. Neste sentido, trata-se de mapear uma experiência de colaboracionismo de uma parcela da imprensa com os órgãos de repressão no pós-AI-5. Tem-se como mote a atuação de alguns setores das comunicações do país e suas estreitas (permissivas) conexões com a ditadura civil-militar do pós-1964.
Além de não fazer frente ao regime e às suas formas violentas de ação, parte da imprensa também apoiou a barbárie. Utilizo esse termo, colaboracionismo, porque compreendo as atitudes tomadas como algo mais que uma adesão aos pressupostos do pós-1964 e principalmente do pós-1968. Além de apoio, também é compromisso — por isso colaborar tornou-se mais acertado do que aderir. Não dá para se eximir. Quem tem mais culpa? É o dono do jornal, é o jornalista? São circunstâncias que se dialogam.
Não estou dizendo que todo jornalista exerceu um papel de colaboração, nem que todas as empresas de jornalismo foram colaboracionistas. Analisei o caso específico de um grande jornal, mas você pode estender para outros casos. Esse termo do colaboracionismo é um termo que dói de ouvir. Isso reflete muito do país, da formação, dos processos econômicos.
Leia a entrevista na íntegra. Você não vai ler nos jornalões e nem nas telinhas.
No Portal Vermelho
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