terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Marcel, Idrissa e a amizade


Marcel, Idrissa e a amizade
Leila Jinkings

 A vasta filmografia de Aki Kaurismaki é pouco conhecida do público, no Brasil. O cinema que ele faz é mais frequentador dos festivais e das salas de arte. No telão assisti "O Homem sem Passado" (2002), no Festival Internacional de Cinema, no cine Academia de Brasília; no cine Rosa e Silva, no Recife, o - mais hermético - "Luzes na Escuridão" (2006).  São maravilhosos. O Cinema da Fundação, na mostra "Expectativa 2012/Retrospectiva2011", trouxe "O Porto (Le Havre)", a mais recente realização. Lindo! Um filme terno, que conta a história de um pequeno imigrante ilegal africano, com sensibilidade e generosidade. Busca o sentimento de amizade e a solidariedade da vizinhança, quando todos se unem para ajudar o garoto, exceção de um vizinho delator.

Marcel Marx sobrevive como engraxate na pequena cidade portuária Le Havre, depois de uma vida boêmia em Paris. Passa o dia pelas ruas da cidade procurando quem queira engraxar os sapatos e, no fim do dia, volta para casa, onde a mulher Arletty (Kati Outinen) cuida dele com devoção. Antes, passa na padaria e no verdureiro; depois, no bar da esquina. Arletty é internada com uma doença grave, com pouca esperança de cura. Marcel se vê só com a cadela Laika. É quando o caminho de Marcel e o do menino Idrissa (Blondin Miguel) se cruzam.

Um dos belos momentos do filme é a revelação da amizade e da solidariedade na vizinhança. A implacável política de imigração caça o menino em situações entre emocionantes, criativas e cômicas. O ótimo Jean-Pierre Darroussin faz o detetive encarregado pelo prefeito da cidade de encontrar o menino para aplacar a sanha da imprensa. Há poucos diálogos, como o diretor gosta. Ele deixa as entrelinhas para o espectador decifrar. O que não é dito, ele diz através de silêncio, por meio de sinais e, principalmente da música.

Uma característica marcante nos filmes de Aki Kaurismaki é o destaque à Música. A música tem espaço próprio, é protagonista. Funciona como forte elemento climático na maioria das vezes. Outras vezes ela põe a música a nos provocar sensações mais físicas, com o balanço de Bob Little, antigo roqueiro francês. Ouvem-se, no decorrer do filme, baladas, tangos e rock and roll. É Little Bob quem faz o papel dele mesmo e o Little Bob Concert é eletrizante, envolvente. Chama a dançar, difícil segurar o pezinho.


O cineasta lançou mão desse recurso antes no primeiro filme dirigido por ele, inédito no Brasil. Crime e Castigo (Rikos ja rangaistus, 1983) é uma obra prima e o meu predileto. É baseado na obra de Dostoievski e conta a história de um jovem que, após cometer um crime, se apaixona e é atormentado pela culpa. 
Nesse, o destaque musical é para Harri Marstio, cantor finlandês cuja voz dramaticamente forte e rouca está presente do começo ao fim do filme. Em algumas cenas é presencial, ele se apresenta como ele mesmo no bar, tocando baladas ao violão. A cena inicial do filme é muito impressionante. O rapaz, que trabalha em um açougue, corta carnes ensanguentadas e o som que se houve é a belíssima Serenade, de Schubert, na voz de Marstio, que toca integralmente. A letra remete a um amor, da falta que sente dele e promete que se reencontrarão. O ápice do contraponto é quando ele corta uma barata ao meio e a música tocando - romântica, nostalgica, na voz linda e rouca de Harri Marstio - e o sangue escorrendo para o ralo.

Aki kaurismaki mergulha na alma dos personagens, desnuda a hipocrisia social, o egoísmo, a maldade, mostra a beleza de sentimentos, a esperança, lança mão de silêncios, de belas fotografias, de expressões, de olhares, de apatia. Com poesia e música.
André Wilms (Marcel Marx) ; Kati Outinen (Arletty) ; Jean-Pierre Darroussin (Monet) ; Blondin Miguel (Idrissa) ; Elina Salo (Claire) ; Evelyne Didi (Yvette) ; Quoc Dung Nguyen (Chang) ; Roberto Piazza "Little Bob" (Little Bob) ; Jean-Pierre Léaud (vizinho denunciante) ; Laika (Laika)
http://www.youtube.com/watch?v=9luPDfb-KSA&feature=related

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