Livro adotado pelo MEC e um certo preconceito linguístico - I
Prof. Diógenes Afonso*
Acerca da polêmica gerada em virtude da adoção, pelo MEC, do livro Por uma vida melhor - da coleção Viver, aprender - [aqui], é preciso tecer algumas considerações preliminares.
Primeiro, a autora da matéria publicada no IG - Thais Arbex - comete um deslize inicial: o título me parece equivocado, porquanto não é o MEC que usa o livro, mas os docentes e os alunos a que o volume se destina. O MEC aprova, adota e recomenda determinado livro, a partir do Programa Nacional do Livro Didático.
Um segundo aspecto diz respeito ao segmento "ensina aluno a falar errado". A meu ver, Thais Arbex demonstra desconhecer alguns preceitos linguísticos, como os presentes na sociolinguística, largamente defendidos por estudiosos da área. Um desses princípios discute a noção de "certo" e "errado" no uso da língua em função de determinadas situações de comunicação.
Para linguistas como Marcos Bagno e Luiz Carlos Cagliari, por exemplo, a questão do "certo" e do "errado" é meramente sociocultural e não encontra amparo linguístico. Vejamos o que diz Cagliari em seu livro Alfabetização e linguística [SP, Scipione, 1999]:
"Certo e errado são conceitos pouco honestos que a sociedade usa para marcar os indivíduos e classes sociais pelos modos de falar e para revelar em que consideração os tem... Essa atitude da sociedade revela seus preconceitos, pois marca as diferenças linguísticas com marcas de prestígio ou estigma."
Deste modo, titular a matéria da forma como se fez só ratifica um preconceito linguístico que precisa ser extirpado, além de não levar em consideração as variantes linguísticas existentes no meio social em que os falantes ou a comunidade linguística exercitam suas diversas formas de comunicação e expressão. A língua é um organismo vivo que não se permite "engessar".
Quer se dizer com isso que se deva "desviar" do que preceitua a norma dita padrão? Claro que não. É preciso, sim, não perder de vista o fato de a variante de maior prestígio social não ser a única, por um simples motivo: ela nunca será do ponto de vista sociolinguístico.
Voltaremos a apreciar essa polêmica na próxima postagem, a partir do posicionamento da autora do livro didático em questão, Heloísa Ramos. Inté breve.
http://www.artigonal.com/linguas-artigos/livro-adotado-pelo-mec-e-um-certo-preconceito-linguistico-i-4771204.html
* Graduado em Letras, especialista em linguagem
Livro adotado pelo MEC e um certo preconceito linguístico - II
Prof. Diógenes Afonso*
Di vorta à polêmica sobre a adoção, pelo MEC, do Livro Por uma vida melhor [Coleção Viver, Aprender].
Há pontos a serem discutidos nessa celeuma toda que fogem ao meramente linguístico. Pode-se, por um lado, perguntar por qual razão a coluna Poder Online resolveu publicar, nove horas depois, matéria em que uma das autoras do citado livro faz a defesa de sua obra. Pode-se, ainda, indagar que tipo de jornalismo é esse que primeiro publica, causa danos com um título inapropriado e incoerente com o próprio corpo da matéria e só depois dá ouvidos a quem foi lançado no olho do furacão de forma injusta.
Teria Thaís Arbex faltado com o zelo jornalístico? Teria Thaís, ao titular a matéria, demonstrado pouca habilidade com a adequação vocabular [isso, sim, um dos problemas sérios na produção textual, muito mais do que qualquer "desvio" de concordância verbal]? Ou a jornalista teria usado de má-fé ao fazer o "chamamento" de um matéria que informa, de um modo geral, o contrário do que expõe o título? Aqui não se emite nenhum juízo de valor, embora ele esteja contido em cada indagação. Cabe, apenas, refletir sobre o que se indagou.
Mas vamos à segunda matéria [publicada no mesmo dia 12/05/2011, às 16:08 - aqui] assinada, agora, por uma outra jornalista, Naiara Leão.
O conteúdo publicado dá voz a uma das autoras, e o que se lê é um balde de água gelada no título da matéria de Thaís Arbex [Livro do MEC ensina aluna a falar errado].
Com efeito, Heloísa Ramos [uma das autoras da obra] deixa claro que não pretende promover o ensino das ditas "formas erradas" de expressão e comunicação em língua portuguesa [como contraponto às ditas "formas cultas ou padrões"], mas validar o uso daquelas expressões em contextos de pouca formalidade linguística [aqui me refiro ao que preconiza a norma padrão]:
"Não queremos ensinar errado [Para manter a coerência com a proposta que ela mesma apresenta em um trecho do livro, creio que a professora Heloísa Ramos deveria ter dito: "Não queremos ensinar de forma diversa da norma dita padrão". Usar o termo "errado" apenas abre, por um lado, o fosso em que o "errado" desaba sem piedade e, por outro, contradiz o que a linguística trata como "certo" e "errado" a partir de concretas situações de comunicação - grifo meu], mas deixar claro que cada linguagem é adequada para uma situação. Por exemplo, na hora de estar com os colegas, o estudante fala como prefere, mas quando vai fazer uma apresentação, ele precisa falar com mais formalidade. Só que esse domínio não se dá do dia para a noite, então a escola tem que ter currículo que ensine de forma gradual" [Heloísa Ramos].
Em outro trecho da matéria, é possivel notar que não há intenção de ensinar o aluno a falar errado, como sugeriu Thaís Arbex [primeira matéria sobre o assunto], mas construir ambiências interacionais em que o aluno se sinta contemplado em sua genuína manifestação linguística e, a partir do contato com a outra forma de "dizer" [normatizada pela linguagem dita padrão], perceber que existem formas de comunicação e expressão para contextos diversos. A linguagem socialmente privilegiada deverá ser usada em um determinado contexto, assim como as outras variantes devam ter vida em seus respectivos contextos:
"Ela [Heloísa Ramos] acredita que, ao deixar claro que é tolerada [sic] todo tipo de linguagem, a escola contribui para a socialização e melhor aprendizado do estudante. 'Quem está fora da escola há muito tempo, é quieto, calado e tem medo de falar errado. Então colocamos essa passagem para que ele possa sair da escola com competência ampliada'".
Ademais, não podemos nos esquecer de que os estudos linguísticos, no que concerne ao enfoque dado às variantes linguísticas, pretendem "mostrar" que "O falante deve ser poliglota em sua própria língua", conforme Evanildo Bechara [Se desejar, leia interessante artigo sobre Multiculturalismo e o Ensino de Língua Portuguesa, aqui].
Atire a primeira pedra quem, desses puristas da língua, não se "desvia" da norma dita padrão!... Cantarão eles "Quando chego a casa, nada me consola"? ou preferirá muito mais seguir a regência "não autorizada" [como Caetano Veloso assim procedeu: "Quando chego em casa, nada me consola"] do que o que dita a norma padrão?
Pretendia discutir, também, a posição da linguista Juliana Dias cujo argumento de autoridade é apresentado na matéria. Embora respeite sua forma de ver o ensino da língua [e parece-me que isso deva se estender, para ela, a todas as línguas], assustei-me tanto com o que foi dito que fiquei a me perguntar o que danado ela andou estudando para ser tão inflexível!
Bom, prefiro defender o que diz a doutora e professora da UnB, Viviane Ramalho - invocada também como argumento de autoridade na matéria:
"O ideal seria aprender todas as possibilidades diferentes até mesmo para respeitar o interlocutor que usa outra variedade linguística".
http://www.artigonal.com/linguas-artigos/livro-adotado-pelo-mec-e-um-certo-preconceito-linguistico-ii-4771218.html
* Graduado em Letras, especialista em linguagem
Diógenes de Oliveira
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