Quando o machismo e o preconceito pautam a cobertura jornalística
É impressionante como em época de campanha eleitoral muitas pessoas deixam de lado o respeito e a ética profissional e se entregam a um jogo de baixarias, alimentando preconceitos que infelizmente ainda estão enraizados na cultura brasileira. Nesta quinta-feira, 8, o Blog do Josias de Souza, da Folha de São Paulo, publicou uma charge do cartunista Nani carregada de preconceito e refletindo um pensamento dos mais machistas e sexistas que se pode ter.
A charge, pegando gancho na substituição no TSE do programa de governo pro-forma da candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, traz a petista como uma garota de programa, em uma esquina rodando bolsa, e dizendo: “o programa, quem faz são os fregueses; PMDB: Barba, cabelo e bigode; PDT: papai e mamãe. E vai por aí…”. O título da postagem evidencia a intenção pejorativa da mesma: “Candidata de programa”, não deixando dúvida nenhuma de que o desenho ali expresso reflete uma avaliação depreciativa de quem o fez e também de quem o reproduziu.
Há que se deixar claro aqui uma coisa: o problema não está em comparar Dilma a uma garota de programa, pois não há nada de errado na profissão destas mulheres. O que se critica veementemente aqui é, como muito bem dito por um colaborador deste blog, a “exploração do preconceito” que existe na sociedade contra as prostitutas. Ao sugerir a comparação da candidata com as garotas de programa, a charge revela a pior espécie de “humor”, se é que se pode chamar assim: aquela embasada no preconceito, no machismo e no sexismo, pois há a intenção de diminuir tanto as garotas de programa quanto a candidata.
Machismo alimentado pela imprensa
O machismo, infelizmente ainda arraigado na nossa sociedade, também se faz presente na política. Basta lembrarmos o discurso sexista do então candidato a prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (na época do PPB), em 2000, contra a sua oponente Marta Suplicy (PT). Naquela ocasião, Maluf cunhou a expressão depreciativa “Dona Marta”, querendo dizer nas entrelinhas que lugar de mulher era na cozinha e não na política. Outras tantas vezes naquelas eleições municipais, Maluf ridicularizava a formação acadêmica de Marta Suplicy (a petista é formada em Psicologia com pós-graduação em sexologia), chegando ao ponto de ter chamado a sua adversário de “devassa”.
Passados dez anos, o preconceito não desapareceu. Basta lembrarmos os bordões da oposição e da imprensa logo no início deste ano, que diziam que Dilma era um “poste”, revelando, com isso, uma nítida intenção de dizer que ela era mais uma mulher que estava na “garupa” de um homem, no caso o presidente Lula. O próprio candidato do PSDB ao governo de São Paulo, Geraldo Alckmin, disse uma infeliz frase em junho deste ano: que o Brasil não pode ser administrado por alguém que “anda de carona” com outro. Que não haja engano: por trás dessas afirmações existe uma carga enorme de machismo, da convicção de que a mulher não está preparada para liderar e ser Presidente da República.
Existe uma boa dose de machismo também quando se diz que Dilma “é dura, é rígida”. Como muito bem dito pela ex-prefeita Marta Suplicy, em recente entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, na Rede TV, o homem pode ser duro que ninguém vai estranhar; agora se uma mulher governa com a seriedade necessária, ela é “dura”. E o impressionante é que a imprensa, ao invés de desmontar esse tipo de preconceito velado, acaba por reproduzi-lo, retroalimentando-o, como fez nesta quinta-feira o Blog do Josias da Souza, da Folha de São Paulo. Certamente, não era essa a postura esperada de um jornalista aparentemente sério como Josias.
Não se pode confundir liberdade de imprensa e de expressão com desrespeito. E o desrespeito aqui não está na associação de Dilma com uma prostituta, como dito anteriormente, mas sim na perpetuação de um preconceito que infelizmente ainda faz parte de nossa sociedade. Quando a cobertura jornalística descamba para esse terreno, o do desrespeito e reprodução do preconceito, em nada contribui para a democracia; ao contrário, a prejudica. E que fique bem claro: a crítica feita por este blog à atitude do jornalista Josias de Souza em nada tem a ver com alguma espécie de macartismo, mas procura sim desmascarar uma atitude notadamente pautada pelo machismo e preconceito por parte de um jornal.
Artigo de Leandro Paterniani, gentilmente surrupiado do seu blog pessoal.
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