terça-feira, 12 de julho de 2011

Ateus e agnósticos, esses seres esquisitos

Artigo interessantíssimo de Claudia Rodrigues, publicada no Sul21. Leia.

Depois de um breve período matriculada em uma escola laica, minha filha, aos 6 anos, sentou-se à mesa e começou a cantarolar: “Meu lanchinho todo dia vou tomar para o Papai do Céu triste não ficar…”. A música deveria estar vindo da escola, perguntei se era o que cantavam para lanchar. Ela afirmou que sim, estava contente porque havia conseguido decorar; as outras crianças matriculadas desde a pré-escola já sabiam a letra toda.

Perguntei quem ela achava que era o Papai do Céu.

– Ah mãe, é um senhor grandão que fica lá no Céu espiando se a gente faz tudo direitinho aqui embaixo na Terra.

Tremi nas bases, era tudo o que eu não ensinara e não recomendo que se ensine às crianças. Ser temente a um Ser Supremo Imaginário é um caminho para a abertura do núcleo psicótico de qualquer humano em fase de desenvolvimento infantil.

Religiosidade é coisa complexa demais para o cérebro infantil, as crianças deveriam ser poupadas desse tipo de doutrina até que tivessem o córtex totalmente desenvolvido e capacidade de discernimento para estudar e escolher — ou não — uma religião.


O irmão de 17 anos explicou que ela podia ter certeza de que não havia um Grande Homem no Céu espionando quem quer que fosse, retirou a pequena de perto dos meus olhos perplexos e pôs-se a estudar ludicamente com ela um livro infantil a la Carl Sagan, que ele havia recebido de presente de um amigo geólogo por volta dos mesmos 8 anos. Liguei para a escola e marquei reunião com professora e coordenadora.

A coordenadora, em voz monótona, afirmou que a escola era laica e que nenhum professor estava recebendo qualquer orientação sobre ensinar religião. A professora, mais íntima porque já nos conhecíamos, contou ingenuamente que todos os dias agradeciam o lanche a Deus, cantavam a música, mas que de maneira alguma vinculava Deus a qualquer punição quando as crianças não faziam as coisas direitinho.

– Não é religião, ensino a eles sobre Deus, um Deus de todos, sem uma religião, até porque na sala tem crianças de várias religiões, às vezes uso o termo Papai do Céu, mas normalmente uso Deus mesmo.

Perguntei a ela como achava que seria essa condução para crianças vindas de famílias que não crêem em Deus, os ateus. Ela olhou-me estupefata, impressionadíssima.

– Ah, mas não me diga que a senhora sendo uma pessoa engajada nas questões ambientais, no respeito às crianças, alguém que faz campanha contra bater em crianças, é contra Deus, como pode não acreditar em Deus?

Respirei fundo e marcamos outra reunião para conversar sobre a separação entre pedagogia e crenças pessoais.



No Dia das Mães, a mesma escola laica marcou um evento na igreja católica. Tudo pelo social, lá fomos nós e numa demonstração de apreço por todas as religiões houve um desfile com entrada triunfante de representantes das várias igrejas da comunidade. Achei interessante, a menina estava aprendendo que existem várias religiões das mamães e dos papais, mas continuava sem entender direito porque seu papai e sua mamãe não pertenciam a qualquer daquelas instituições. E dê-lhe aula de ciência-para-crianças em casa, um dia ela poderia juntar lé com cré.

Mudamos para Porto Alegre no início desse ano, ela agora está com quase 9 anos. Tomei o cuidado de escolher uma escola laica. Foi dificílimo encontrar na cidade um colégio que não tivesse nome de santo ou de santa. Ainda que as escolas com nomes de santo afirmem que são laicas, escolhi uma com nome laico. Obviamente não foi o único fator considerado e nem mais o importante.

Pois justamente na semana passada, às vésperas da campanha da ATEA anunciada aqui no Sul21, vindo da escola com a menina, volta o assunto latente:

– Mãe, na minha sala as meninas estão fazendo catequese, elas me convidaram, é tipo uma aula para depois desfilarem de vestidos brancos na igreja. Posso fazer?

– Filha, elas são católicas, nós não somos católicos, só os católicos fazem aulas de catequese e depois tem um dia que é dessa cerimônia, a primeira comunhão.

– Isso mesmo mãe, primeira comunhão. E se eu quiser ser católica, posso ser?

– Pode, mas é muito cedo para essa decisão e optar por ter uma religião é optar por cumprir as regras da religião. Papai, mamãe e teus irmãos não gostam das regras das igrejas e não seríamos hipócritas de ter uma religião se não podemos cumprir suas regras, por discordância ou simplesmente por não gostarmos.

– O que é hipócrita?

– É assim quando uma pessoa pensa e sente de um jeito, mas diz e faz outra coisa.

– Ah entendi, uma pessoa mentirosa dela mesma… Mas mãe, eu queria um exemplo de regra da igreja católica que vocês não cumpririam.

– Hummm, sabe assim quando teu irmão e tua irmã dormem na casa dos namorados e nós damos boa noite e achamos tudo normal?

– Aham, sei, normal.

– Pois é, para a igreja católica isso é considerado errado, as pessoas só podem namorar assim de dormir juntas depois que casam.

– Entendi, acho que também não vou gostar de ser católica. E as outras religiões, que regras têm?

– Muitas regras, a maioria das religiões acha que mulher é uma pessoa menor em relação ao homem, que nossos amigos gays são feios, sujos e malvados; existem algumas religiões que não permitem que as mulheres usem calças compridas e brincos e quase todas elas acreditam que o Universo inteiro foi criado em sete dias por uma única pessoa que nos olha, nos controla e nos castiga ou nos orienta fazendo com que sejamos bons e felizes.

– Isso já entendi, o T. me explicou que as meninas e os meninos pobres da guerra são bons e infelizes e tem gente bem má que anda por aí superfeliz, então, o Deus controlador, se existisse, precisava ser demitido.

Sorri e expliquei a ela que esses assuntos eram bem difíceis de tratar na escola e que se ela sugerisse que Deus deveria ser demitido as pessoas poderiam não rir e não entender como eu, o seu raciocínio. Remeti-a à nossa convivência familiar, pacífica, democrática, garantindo que não fazíamos nada de errado e praticando o bem, como praticamos, tudo está bem, inclusive os deuses das pessoas, as suas religiões, que ela jamais pensasse que nossa família poderia ser do mal por não ter religião.

– Ihh mãe, fica tranqüila, claro que sei disso, mas que nossa família é esquisita, isso é, já percebi que até as professoras acham estranho esse negócio de não ter religião. Mãe, mas me diz, não existe assim nenhuma religião inteligente?

Liberdade religiosa ou condescendência com a burrice?

– Hummm, as religiões podem parecer bem bonitas, uma vez procurei muito por uma religião e andei viajando o mundo para encontrar alguma. Na Índia conheci o hinduísmo e o budismo, adorei a história dos ventos internos dos budistas, da alimentação, a paz na meditação, mas quando saí de dentro do templo, a igreja deles, era tanta pobreza lá fora, tanta gente precisando de ajuda ali na vida de verdade que até me senti mal de ter ficado aquele tempo meditando no ótimo conforto, foi como se fizesse parte de um lindo quadro flutuando na lama. E no Japão conheci uma religião também bem linda, o taoísmo, eu adoro até hoje ler os textos taoístas, mas na prática tem também muitas regras que não poderia seguir. As pessoas ficam rezando para uma vida melhor depois da morte e o nosso pequeno planeta Terra está precisando que a gente aja para as coisas darem certo na vida aqui e agora. Olha filha, acho que a diferença é que nos preocupamos menos com o que vai ser de nós depois da morte e mais com o que vamos deixar de bom aqui na Terra, com o que podemos pensar, sentir e fazer enquanto estamos vivos.

– Ah, sei como é, minha amiga esses dias disse que ia rezar muito para fazer um bom trabalho de apresentação para a professora e os colegas; acho que sou como tu e o papai, vai ver é genético, porque cheguei em casa e fui logo pensar e fazer a minha parte do trabalho, se eu ficasse rezando o trabalho não ia aparecer sozinho, isso tenho certeza. Como diz o papai, as coisas boas não caem do céu, né, mãe?

– Não, querida, até a boa chuva que cai do Céu tem a ver com o que fazemos aqui embaixo e todas as coisas más podem ser fabricadas aqui mesmo e é aqui mesmo que precisamos acertá-las.

Difícil encontrar espaço na sociedade laica, num país laico, para ser ateu ou agnóstico. A campanha chega em boa hora e talvez promova uma oxigenada básica nas atitudes daqueles que não praticam as regras de suas religiões, mas compram o certificado de salvação do inferno, por via das dúvidas. Agora, os que investem dinheiro no Céu, esses estão aqui literalmente pela hora da morte, nada mais interessa preservar.


Fonte: http://sul21.com.br/jornal/2011/07/ateus-e-agnosticos-esses-seres-esquisitos/

domingo, 10 de julho de 2011

Por uma chuveirada, Dorival encara a guarda




O Dia Em Que Dorival Encarou a Guarda por tielsam

Por uma chuveirada, Dorival encara a guarda

Gaúcho de Uruguaiana (RS), o jornalista, romancista e cineasta Tabajara Ruas é autor de um relato que, pelas artes do cinema, ganhou vida própria: O dia em que Dorival encarou a guarda, oitavo capítulo do segundo romance de Ruas, “O amor de Pedro por João”.

  Por José Carlos Ruy, Portal Vermelho

O romance foi escrito no exílio, na Dinamarca. Militante contra a ditadura militar desde o tempo de estudante, em 1966, em Porto Alegre, Ruas exilou-se para não ser preso, e ficou fora do país entre 1971 e 1981 (morou no Uruguai, Chile, Argentina, Dinamarca, São Tomé e Príncipe e Portugal).

“O amor de Pedro por João”, explicou ele, é a história de lutadores contra a ditadura, “homens e mulheres das mais variadas classes sociais. Existe uma freira, alguns estudantes, militares e religiosos que constituem um grupo antimilitar, em fuga do Brasil em direção ao Chile” que permanecia um espaço democrático, e de refúgio para perseguidos políticos, antes do golpe militar do general fascista Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973. Estes personagens formavam, explicou, “um mosaico complexo, compondo todo o tecido social do Brasil”.

Em 1986, este trecho do romance serviu de argumento para o premiado curta metragem, que tem o mesmo nome do capítulo, e foi dirigido por Jorge Furtado e José Pedro Goulart, com a colaboração do próprio Ruas na elaboração do roteiro. O curta colecionou uma lista de prêmios, entre eles o de melhor curta, ator, júri popular e prêmio da crítica no Festival de Gramado de 1986, melhor curta de ficção no 21º Festival de Cinema Ibero americano de Huelva (Espanha), e no 8º Festival Internacional do Novo Cinema Latino americano de Havana (Cuba).

Em sua simplicidade e profundo sentido humano, a história tem a profundidade dos dramas clássicos gregos. É uma denúncia candente da bestialidade da tortura (e não só no período da ditadura militar de 1964...): depois de dez dias de cadeia, Dorival só queria tomar um banho. Por isso confrontou a entorpecente e irracional lógica carcerária de que “ordens são ordens”. Numa demonstração paradoxal de que não há conquista sem luta, e sem sacrifícios, ele “encara” a guarda, sofre as consequências mas, no fim, alcança seu objetivo e é posto debaixo do chuveiro.

Leia aqui o texto "O dia em que Dorival encarou a guarda", de Tabajara Ruas, na íntegra. 

Por uma chuveirada, Dorival encara a guarda - Portal Vermelho

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