Renata Mielli: 'nosso inimigo é o monopólio' ,
Escrito por: Elizângela Araújo/Fotos: Lidyane Ponciano
A nova coordenadora geral do FNDC afirma que sem unidade de ação os movimentos sociais que lutam pela democratização da comunicação não terão força para enfrentar o golpismo midiático
A
jornalista Renata Mielli atua nos movimentos sociais desde os tempos de
estudante secundarista. Foi diretora da União Municipal dos Estudantes
Secundaristas de São Paulo e da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Como ativista pela democratização da comunicação, participou da
construção da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom),
integrando a Comissão Organizadora da etapa municipal São Paulo, e tem
atuado ativamente em entidades como o Centro de Estudos da Mídia
Alternativa Barão de Itararé, onde atualmente exerce o segundo mandato
como secretária geral; e no FNDC, onde já exerceu os mandatos de
secretária de Comunicação e secretária geral.
No último sábado (23/4), Renata foi eleita coordenadora geral do Fórum
na chapa única que recebeu da XIX Plenária da entidade o mandato da
Coordenação Executiva para o próximo biênio. Logo após a eleição, a mãe
do Gabriel e do Bernardo, como ela mesma gosta de lembrar, concedeu essa
entrevista para falar da conjuntura e enumerar os principais desafios
para os movimentos que se colocam na defesa da democratização da
comunicação. Acompanhe.
- Esta nova Coordenação Executiva assume o FNDC no olho do
furação, num momento de crise política e de ameaça de graves retrocessos
sociais. Como fazer a luta central da democratização da comunicação
nesse contexto?
- Nos últimos anos, o FNDC tem intensificado a luta por um novo marco
regulatório das comunicações, e temos feito isso de diversas maneiras,
inclusive pressionando o governo para que encaminhasse esse tema.
Elaboramos a proposta de lei de iniciativa popular que regula a
radiodifusão, a Lei da Mídia Democrática, e temos atuado bastante na
defesa da universalização da internet. Ou seja, buscamos avançar no
escopo regulatório para ampliar a diversidade e a pluralidade nos meios
de comunicação, mas a nossa plenária aconteceu num momento político do
país completamente adverso. Estamos às vésperas da possibilidade de o
Senado Federal acatar um pedido de impeachment sem base legal e que
afasta do cargo uma presidenta eleita de forma legítima pelo voto
popular. Se isso acontecer, assume o governo o vice-presidente e o
presidente da Câmara dos Deputados, envolvidos diretamente na tentativa
de desestabilizar a economia e o quadro político do país, ou seja, um
governo ilegítimo e golpista.
"Precisamos da juventude percebendo que todo mundo tem que ter direito a fala para colocar sua diversidade e sua pluralidade, e não tem nada mais diverso e plural do que a juventude brasileira."
Nessa conjuntura, foi esse o debate realizado na plenária, que buscou
adequar a ação política do Fórum a esse contexto de estado de exceção.
Não estamos vivendo a normalidade da atuação democrática, política. As
coisas não seguem o seu curso natural. Vivemos um momento de rompimento!
O FNDC e todas as suas entidades e movimentos que lutam pela democracia
e pela democracia na comunicação têm que se juntar a outros movimentos
sociais e outras organizações da sociedade civil para impedir o
retrocesso, tentar barrar o golpe. E se isso não se concretizar, se não
conseguirmos barrar o avanço dessas forças conservadoras e golpistas,
vamos denunciar cotidianamente que o país foi vítima de um golpe e que
tem um governo ilegítimo.
Então, neste momento, a pauta da comunicação está inserida na
necessidade de denunciar também a mídia privada, que tem sido um dos
articuladores do golpe, sem deixar de acompanhar as outras agendas que
se sucedem e que estão todas vinculadas de forma estratégica a essa
tentativa de regressão de direitos, como a mais recente delas, que é a
tentativa de mudar a forma da prestação de serviço da internet banda
fixa.
"Neste momento, a pauta da comunicação está inserida na necessidade de denunciar também a mídia privada, que tem sido um dos articuladores do golpe."
- Enquanto a sociedade se mobiliza para barrar o golpe, outras
agendas regressivas vão sendo encaminhadas e entre as mais expressivas
estão temas da comunicação. Pode-se dizer que são parte do próprio
golpe?
- Sim. Na Câmara dos Deputados temos o PL 215, o chamado PL Espião, que
fere a privacidade do usuário e desfigura o Marco Civil da Internet,
que é uma conquista de toda a sociedade. Tem as propostas da comissão
especial para mudar a Lei Geral de Telecomunicações, a LGT, que
representa outro grave ataque à soberania nacional, porque acaba de vez
com o regime público nos serviços de telecomunicação, que estão sendo
discutidas agora na Câmara dos Deputados.
Temos
a ofensiva das operadoras de telecomunicação, que querem limitar a
quantidade de dados baixados na internet fixa, implantando uma franquia
mensal e cortando o acesso quando o usuário atingir seu limite. Essa
proposta, aliás, tem vários problemas, um deles é a instituição de duas
categorias de usuário: os que têm dinheiro para pagar por dados
excedentes quando atingirem suas franquias e poderão continuar acessando
o Youtube, Netflix, jogos online e outros serviços; e os que não podem
pagar por dados adicionais, que é uma ampla camada da sociedade
brasileira onde está inserida a juventude e a população de renda mais
baixa, que vão ficar sem o direito de usar a internet na sua
integralidade. Isso é um absurdo do ponto de vista da construção de uma
sociedade de direitos, que era o que vínhamos, com dificuldade e de
forma lenta, conquistando nos últimos anos.
Além dessas propostas em tramitação no Congresso Nacional, temos a
judicialização da lei do direito de resposta. Ou seja, são vários temas
que dialogam com o golpe e que temos que continuar acompanhando e vamos
acompanhar, denunciar resistir para que não se transformem em
retrocessos.
- O modelo de prestação de serviço de internet fixa por
franquia de dados que as teles estão propondo encontra parâmetro em
outros países?
- Alguns países usam esse modelo de prestação de serviço de internet
banda larga fixa, mas isso não é justificativa, porque são países que
possuem realidades econômicas e sociais muito diferentes das nossas,
além de serem regiões onde a internet já tem ampla penetração. No
Brasil, metade da população ainda não tem acesso à banda larga. E a
maior parte da outra metade ainda tem de forma precária, porque se
contabiliza nesse universo velocidades da ordem de um megabit, que hoje
não é nada! Não podemos nos comparar ao Canadá ou à Irlanda, por
exemplo, que vendem franquias. Pode ser um bom modelo de negócio para as
teles, mas não para nós.
"As empresas tentam mudar o modelo de prestação de serviços para reduzir investimentos e aumentar sua própria lucratividade"
As empresas querem implantar esse “modelo de negócio” porque o país não
tem uma política de investimento privado na infraestrutura que possa
garantir internet para todos. Então, para não precisarem investir nessa
infraestrutura, as teles querem limitar o acesso, porque essa proposta
nada mais é do que limitar o acesso à internet de uma parcela
considerável da população. As empresas tentam mudar o modelo de
prestação de serviços para reduzir investimentos e aumentar sua própria
lucratividade e continuam apostando num modelo que já vem sendo
criticado e denunciado internacionalmente, que é explorar o serviço com
foco nas camadas A e dos grandes polos urbanos, das regiões onde já
existe infraestrutura garantida.