O Guilherme Boulos é formado em filosofia pela USP, professor
de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto), atua na Frente de Resistência Urbana e escreveu o livro "Por que Ocupamos: uma Introdução à Luta dos Sem-Teto".
Foto: Edu Toledo |
Admiro a luta que êle lidera, abdicando das benesses que poderia estar usufruindo, devido à posição da família. Conheci Boulos há mais de 10 anos lutando contra o fisiologismo que tomava conta do partido no qual militávamos. A seriedade e a profundidade como encarava as questões que se apresentavam me deixou uma forte impressão já àquela época. Deixo este artigo que ele publicou na Folha de São Paulo, onde ele soube externar o que nós todos gostaríamos de ter falado desse arremedo de juiz .
Gilmar Mendes e o bolivarianismo
Por Guilherme Boulos, na Folha.
O
ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, saiu “às
falas” mais uma vez. Na semana passada, o ministro deu uma entrevista à
Folha alardeando o risco de “bolivarianismo” no Judiciário brasileiro.
Afinado,
como sempre, com o PSDB e ecoando as vergonhosas marchas de Jair
Bolsonaro (PP) e companhia, apontou a iminente construção de um projeto
ditatorial do PT, que passaria pela cooptação das cortes superiores. Não
poderia deixar de recorrer ao jargão da moda.
Gilmar
Mendes, todos sabem, é um bravateiro de notória ousadia. Certa vez,
chamou o presidente Lula “às falas” por conta de um suposto grampo em
seu gabinete, cujo áudio até hoje não apareceu. Lula cedeu e demitiu o
diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
Mais
recentemente, o ministro comparou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a
um “tribunal nazista” por ter barrado a candidatura de José Roberto
Arruda (PR) ao governo do Distrito Federal. O único voto contrário foi o
dele.
O
próprio Arruda afirmou que FHC –que indicou Mendes ao STF– trabalhou em
favor de sua absolvição. Para quem não se recorda, Arruda saiu do
palácio do governo direto para a prisão após ser filmado recebendo
propina.
Quem
vê o ministro Gilmar Mendes em suas afirmações taxativas e bradando
contra o “bolivarianismo” pensa estar diante do guardião da República.
Parece ser o arauto da moralidade, magistrado impermeável a influências
de ordem política ou econômica e defensor da autonomia dos poderes.
Mas
na prática a teoria é outra. Reportagem da revista “Carta Capital”, em
2008, mostrou condutas nada republicanas de Mendes em sua cidade natal,
Diamantino (MT), onde sua família é proprietária de terras e seu irmão
foi prefeito duas vezes.
Lobbies,
favorecimentos e outras suspeitas mais. Mendes, que questionou o PT por
entrar com ação contra a revista “Veja”, processou a revista “Carta
Capital” por danos morais.
Já
o livro “Operação Banqueiro”, de Rubens Valente, mostra as relações de
Mendes com advogados de Daniel Dantas, que após ser preso pela Polícia
Federal na Operação Satiagraha, foi solto duas vezes pelo ministro em
circunstâncias bastante curiosas. Na época, ele também acusou uma
ditadura da PF, mostrando o que parece ser seu estratagema predileto.
Mais
recentemente, seu nome foi envolvido na investigação da Operação Monte
Carlo, sob a suspeita de ter pego carona no jatinho do bicheiro
Carlinhos Cachoeira, na ilustre companhia do senador Demóstenes Torres,
cassado depois por seu envolvimento no escândalo. Em julho deste ano,
Mendes deu uma liminar que permitiu a Demóstenes voltar ao trabalho como
procurador de Justiça.
São
denúncias públicas, nenhuma delas inventada pelo bolivariano que aqui
escreve. Assim como é público que o ministro mantém parada há 7 meses a
ação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que propõe a
inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas e que já
obteve a maioria dos votos no Supremo, antes de seu pedido de vistas.
Ou
seja, a trajetória de Gilmar Mendes está repleta de ligações políticas e
partidárias, aquelas que ele acusa nos outros magistrados, os
bolivarianos. Afinal, o que seria uma “corte bolivariana”? Se tomarmos
os três países sul-americanos que assim são identificados –Venezuela,
Bolívia e Equador– veremos que todos passaram por processos de reformas
no Judiciário.
No
caso da Bolívia, a reforma incluiu o voto popular direto para juízes,
estabelecendo um controle social inédito sobre o Poder Judiciário. O
mesmo controle que já existe sobre o Executivo e o Legislativo. Por que o
Judiciário fica de fora? Por que não presta contas para a sociedade?
Não, aí é bolivarianismo!
Na
Venezuela e no Equador o foco das reformas foi o combate das máfias de
toga e dos privilégios de juízes. Privilégios do tipo do auxílio-moradia
que os juízes brasileiros ganharam de presente do STF neste ano. Mais
de R$ 4.000 por mês para cada juiz. A maioria deles tem casa própria,
mas mesmo assim poderá receber o auxílio. Cada auxílio de um juiz
poderia atender a oito famílias em situação de risco.
O
Judiciário é o único poder da República que, no Brasil, não tem nenhum
controle social. Regula a si próprio e estabelece seus próprios
privilégios. Mas questionar isso, dizem, é questionar a democracia. É
bolivarianismo.
Este
tal bolivarianismo produziu reformas estruturais e populares por onde
passou. Os indicadores mostram redução da desigualdade social, da
pobreza, dos privilégios oligárquicos e avanços consideráveis nos
direitos sociais. Basta ter olhos para ver e iniciativa para pesquisar.
Os dados naturalmente são de organismos bolivarianos como a ONU e a
Unesco.
Pena
que nessas terras o bolivarianismo seja apenas um fantasma. Fantasma
que a oposição usa para acuar o governo e o governo repele como se fosse
praga. Afinal, Gilmar Mendes pode chamá-lo “às falas”.
Guilherme
Boulos, 32, é formado em filosofia pela USP, professor de psicanálise e
membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores
Sem-Teto). Também atua na Frente de Resistência Urbana e é autor do
livro “Por que Ocupamos: uma Introdução à Luta dos Sem-Teto”.
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2 comentários:
Muito bom o texto, simples e direto. Mas e agora, o que pode ser feito diante desse personagem nocivo a democracia e de nosso congresso tão comprometido?
É muito impressionante a deformação do nosso judiciário, não é, Oscarlinda. Não tem normas, fazem o que querem. Precisa urgente uma reforma que o torne democrático, submetido à fiscalização como qualquer outro poder.
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