Reproduzo aqui artigo de Augusto Buonicore - publicado no Vermelho - em que relata um episódio fundamental da História recente do País e da trajetória do comunismo.
A Conferência de Fevereiro de 1962 e a reorganização do PCdoB
No dia 18 de fevereiro de 1962 teve lugar na rua do Manifesto, bairro do Ipiranga, na cidade operária de São Paulo uma conferência extraordinária do Partido Comunista do Brasil.
Por Augusto C. Buonicore (Artigo publicado no Portal Vermelho em 18 de fevereiro de 2004)
Participaram dela delegados de vários Estados. Entre eles estavam dirigentes históricos do Partido como João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Kalil Chade, Lincoln Oest, Carlos Danielli, Ângelo Arroyo, Elza Monnerat, entre outros.
O evento aparentemente modesto revestiu-se de uma grande importância histórica para o povo e os trabalhadores brasileiros. Tratava-se naquela ocasião de reorganizar o Partido Comunista do Brasil que estava sendo ameaçado em sua existência por um surto revisionista de direita. Poucos ainda tinham consciência da importância daquele "ato fundador".
Para muitos, aquela parecia obra de alguns poucos sonhadores, sem grande futuro. Passados 42 anos da sua realização podemos dar conta da grandeza daqueles homens e mulheres comunistas e do ato que realizaram. Por isto gritamos em alto e bom som: Viva o 18 de fevereiro!
O 20º Congresso e o pomo da discórdia
Em fevereiro de 1956 realizou-se o 20º Congresso do PCUS, no qual Krushev apresentou um "relatório secreto" denunciando o "culto à personalidade" e os crimes de Stálin. Mais do que isto o 20º Congresso abriu uma nova fase na política do PCUS na qual predominaria o reformismo. As notícias deste Congresso chegaram ao país através da imprensa burguesa e inicialmente foram negadas pela direção comunista — acusadas de serem falsificações promovidas pelo serviço de inteligência norte-americano.
Depois de vários meses o líder da delegação brasileira, Diógenes Arruda, presente naquele congresso voltou ao Brasil trazendo a informação oficial e somente no final de agosto conseguiu se reunir o Comitê Central para discutir a questão. Abriu-se uma crise profunda no interior do Partido. Surge uma forte corrente liquidacionista, encabeçada por Agildo Barata.
Em outubro foi aberto à revelia da direção partidária um debate através da imprensa comunista, num claro desrespeito ao centralismo-democrático. Em nome da liberdade de opinião tudo era permitido. Ocorreu uma forte resistência aos desvios direitistas. A imprensa partidária sofreu intervenção e o próprio Agildo Barata foi expulso. Com ele saíram vários intelectuais. Alguns deles formam um grupo nacionalista não proletário, intitulado Corrente Renovadora do Marxismo Nacional.
Diógenes de Arruda Câmara publicou o artigo "Renovar o Partido e Derrotar o Antipartido".
Derrotado o liquidacionismo e as correntes de direita no interior do Partido, iniciou-se uma nova luta interna. Esta seria ainda mais acirrada e teria conseqüências maiores e mais duradouras. Duas concepções iam se consolidando no partido: uma reformista e outra revolucionária.
A luta interna se desequilibra com a adesão de Prestes às teses reformistas do XX Congresso e sua tentativa de aplicá-la acriticamente ao Brasil. Em agosto de 1957, por suas posições contrárias às teses reformistas que ganhavam corpo no interior da direção do Partido, João Amazonas, Maurício Grabois, Diógenes Arruda, Sérgio Holmos foram destituídos da comissão executiva e do secretariado do Comitê Central. Os seus lugares foram ocupados por Giocondo Dias, Mário Alves, Carlos Marighela e Calil Chade. Na mesma reunião foi aprovado o documento A Atividade antipartidária de Agildo Barata. Assim o Comitê Central, sob o comando de Prestes, dava uma no cravo e outra na ferradura: expulsava os liquidacionistas de direita e isolava a esquerda partidária.
Duas concepções, duas orientações políticas — a grande cisão comunista
O afastamento da esquerda do secretariado e da comissão executiva foi necessário para que Prestes conseguisse uma tranqüila maioria, o que lhe permitiu aprovar as teses reformistas e mudar o rumo político do Partido.
No início de 1958, numa reunião do Comitê Central, João Amazonas e Maurício Grabois foram os únicos a votar contra o documento que ficaria conhecido como Declaração de Março e que fora elaborado por uma comissão "ultra-secreta", criada pelo próprio secretário geral. Este documento consolidou a guinada à direita do PCB. Entre outras coisas ele apregoava a possibilidade da transição pacífica do capitalismo ao socialismo no Brasil.