Muito bom o artigo que reproduzo abaixo. Mauro Malin faz uma
exposição didática sobre dois episódios recentes, que ajuda a compreender o que
se passou no Brasil de 50 anos para cá. Uma reflexão sobre as verdades que aos
poucos vão emergindo.
Curiosamente, os protagonistas são um assassino e uma
torturada. Remete ao excelente filme de Roman Polanski, "A Morte e a Donzela",
quando confronta (lá fisicamente) o torturador, que violentou a personagem
interpretada por Sigourney Weaver, que carrega o trauma por toda a vida. O
torturador era o médico que dava assistência aos torturadores executores e, no
uso das funções, a estuprou (ela tinha os olhos vendados). O filme de Polanski
se passa em um país da América do Sul, sob as ditaduras sangrentas que se mantiveram
mediante torturas e assassinatos.
COMISSÃO DA VERDADE
Relatos de torturada e de matador
Por Mauro Malin em 23/06/2012 na edição 699
A Folha de S. Paulo publicou na sexta-feira (22/6) depoimento da hoje presidente da República Dilma Rousseff ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais, em 2001, parcialmente divulgado no domingo (17/6) pelos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas. Dilma relatou com muita lucidez, em linguagem objetiva, o que sofrera trinta anos antes.
O material ganhou na Folha edição à altura de sua importância [ver abaixo]. Tem consistência para ser ponto de partida de novas pesquisas e reportagens sobre a repressão e as organizações que travaram o que Jacob Gorender definiu como Combate nas Trevas.
Lucia foi covardemente assassinada |
Uma falsa “guerra”
O material que se vai revelando após a sanção da Lei de Acesso à Informação e a constituição da Comissão da Verdade reforça duas constatações.
Primeira, que não houve “guerra” anticomunista, ou antirrevolucionária, como pretendem militares da reserva (e da ativa) para desculpar crimes contra os direitos humanos, e sim terrorismo de Estado contra pessoas presas, dominadas, indefesas. Voltaire começa o Tratado sobre a tolerância com a seguinte reflexão (em tradução livre do francês):
“Esquecemos rapidamente a multidão de mortos em inumeráveis batalhas, não só porque isso é uma fatalidade inevitável da guerra, mas porque os mortos pelas armas poderiam matar também seus inimigos, e não morreram sem se defender. Sempre que o perigo e as condições são iguais, o espanto cessa, e própria piedade se enfraquece. Mas se um pai de família é posto nas mãos do erro, ou da paixão, ou do fanatismo; se os que decidem sobre sua vida não se arriscam, ao decapitá-lo, nada além de ter cometido um erro; se podem matar impunemente por uma decisão administrativa, então o clamor público se eleva. Cada um teme por si mesmo. Vê-se que ninguém sente sua vida em segurança diante de um tribunal erigido para velar pela vida dos cidadãos, e todas as vozes se unem para pedir vingança.”
Diferentemente do que constatava Voltaire na Toulouse do século 18, não houve e não há no Brasil pedidos de vingança. Mas isso não retira um pingo da importância de se apurar, de acordo como diferentes relatos e documentos, o que aconteceu. E de extrair dessas narrativas um sentido que ajude os atores sociais a enfrentar seus desafios políticos. Hoje – para, por exemplo, erradicar a tortura em delegacias policiais e as execuções – e no futuro.
Segunda constatação, que a mídia, conjunto heterogêneo de olhares e vozes da sociedade, hoje parceira da Comissão da Verdade e sua antecessora na tarefa de buscar os fatos e torna-los públicos, a sucederá nessa tarefa durante longo tempo.
***
“Encarei a morte e a solidão”, diz Dilma
Paulo Peixoto # reproduzido da Folha de S.Paulo, 22/6/2012
Num depoimento de 2001, mas só agora divulgado, a presidente Dilma Rousseff relata detalhes sobre sua prisão aos 22 anos, ameaças e a tortura a que foi submetida na ditadura militar (1964-1985). Ela fala em medo, dor, choques, palmatórias e as marcas que ficaram disso tudo.
Entre as ameaças, cita uma encenação de fuzilamento e frases como “você vai ficar deformada”, “ninguém vai te querer”, “vai virar presunto”.
O relato foi feito ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais, num processo para que ela pudesse ser indenizada em R$ 30 mil pelo Estado. Parte do teor foi divulgado no domingo pelos jornais “Correio Braziliense” e “Estado de Minas”.
“O estresse é feroz, inimaginável. Descobri pela primeira vez que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando a minha pele tremeu”, diz ela.
Leia a íntegra: