sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

gente é pra viver e não para contar dinheiro

por Leila Jinkings

As fábulas falso moralistas de La Fontaine foram adaptadas por Lobato, no livro “Fábulas”, em uma das intervenções valiosas da espevitada boneca Emília.  Na fábula  “A Cigarra e a Formiga”,  La Fontaine faz parecer que o lazer e a arte são vagabundagem.  A modificação faz justiça e a cigarra é acolhida pelas solidárias formigas, agradecidas por ela ter enriquecido seus dias durante o verão, cantando enquanto trabalhavam. Muito antes de Domenico De Masi (Direito ao Ócio) e contemporâneo aos escritos de  Bertrand Russel (O elogio ao ócio, 1935), Emília já refletia sobre direito à preguiça e sobre o ócio criativo.

Bom seria se alguns professores menos atentos deixassem de reproduzir a versão antiga da fábula atrasada, preconceituosa e burra. Os educadores mais sensíveis usam os recursos de contos, jogos e brincadeiras, estimulados pela boa literatura infantil que trás reflexões, que ampliam o alcance do imaginário, que ensinam valores, que socializam, que forjam pessoas mais solidárias, mais tolerantes e, principalmente, capazes de superar a rudeza da atual educação, que mais valoriza a formação de consumidores, poupadores e outras distorções do sentido da vida humana. 



O mundo não suporta mais a centralidade da competição, do individualismo. Que gente estúpida eles querem formar. Reflitamos:  estamos nos tornando melhores pessoas? Que mundo nós vamos querer deixar para os nossos filhos?  Vamos ficar "esperando a morte chegar? Sentados no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes? Se sentindo um grandessíssimo idiota, limitado, que só usa 10% da sua cabeça animal? E ainda acreditando que está contribuindo para o belo quadro social?" *  A gente merece mais.  Pessoas melhores podem fazer o mundo melhor.

Viva a arte! Viva o ócio!  Uma banana para a indústria cultural massificadora. Uma banana para quem não valoriza a arte.


* de Ouro de Tolo, Raulzito.


transcrito do livro Fábulas:

A Cigarra e a Formiga, Monteiro Lobato

A cigarra e a formiga - A formiga boa
Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé dum formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna  faina de abastecer as tulhas

.Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos arrepiados, passavam o dia
cochilando nas tocas.A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém.Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro.

Bateu-tique, tique, tique.Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de  paina

.-Que quer?- perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.-Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu...A formiga olhou-a de alto a baixo.-E que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu, depois de um acesso de tosse:-Eu cantava, bem sabe...-Ah!... exclamou a formiga recordando-se. Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?-Isso mesmo, era eu...-Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: "que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora!" Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.Monteiro Lobato.

 faina - acúmulo de serviços
 tulhas- celeiros paina - fibra sedosa

A FORMIGA MÁ -
Já houve, entretanto, uma formiga má que não soube compreender a cigarra e com dureza a repeliu de sua porta.Foi isso na Europa, em pleno inverno, quando a neve recobria o mundo com seu cruel manto degelo.A cigarra, como de costume, havia cantado sem parar o estio inteiro e o inverno veio encontrá-la desprovida de tudo, sem casa onde abrigar-se nem folinha que comesse.

Desesperada, bateu à porta da formiga e implorou - emprestado, notem! - uns miseráveis restos de comida. Pagaria com juros altos aquela comida de empréstimo, logo que o tempo o permitisse.Mas a formiga era uma usurária sem entranhas. Além disso, invejosa. Como não soubesse cantar,tinha ódio à cigarra por vê-la querida de todos os seres.- Que fazia você durante o bom tempo?- Eu... eu cantava!...- Cantava? Pois dance agora, vagabunda! - e fechou-lhe a porta no nariz.Resultado: a cigarra ali morreu entanguidinha; e quando voltou a primavera o mundo apresentava um aspecto mais triste. É que faltava na música do mundo o som estridente daquela cigarra, morta por causa da avareza da formiga. Mas se a usurária morresse, quem daria pela falta dela?


http://pt.scribd.com/doc/36982147/A-Cigarra-e-a-Formiga-Monteiro-Lobato

Nenhum comentário:

BRASIL NUNCA MAIS

BRASIL NUNCA MAIS
clique para baixar. Íntegra ou tomos