segunda-feira, 13 de agosto de 2012

UM BRASILEIRO NA GUERRILHA BOLIVIANA


A história do estudante gaúcho que denunciou torturas da ditadura, tornou-se guerrilheiro na Bolívia e desapareceu nas montanhas andinas

por Daniel Cassol, agência Pública

Os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional estão quase completando a travessia do rio Chimate, ao norte da Bolívia. Acossados  pelos militares, precisam ser rápidos. A vanguarda já atravessou o rio e a coluna do centro avança, observada por Raúl e Dippy, soldados da retaguarda destacados para indicar aos companheiros o caminho seguido pelas duas colunas da frente. No relógio, “expropriado” pela guerrilha, Dippy vê que são seis horas da tarde do dia 1º de setembro de 1970.
Uma patrulha militar ataca e a guerrilha se parte em duas. A retaguarda não consegue atravessar o rio. Raúl e Dippy correm mato adentro para escapar dos tiros. Esperam até a noite, talvez sejam encontrados pelos companheiros. Escutam disparos de morteiros e percebem que será impossível atravessar o rio.
A retaguarda nunca mais iria se reencontrar com o resto da tropa. Raúl e Dippy, estrangeiros em solo boliviano, ficariam sós.
Raúl é o nome de guerra do peruano Antero Callapiña Hurtado, estudante de engenharia civil na Polônia, recrutado para a guerrilha, assim como dezenas de jovens latino-americanos que estudavam em países socialistas. O outro, Dippy, era o único brasileiro entre os 67 combatentes que subiram as montanhas de Teoponte, a cerca de 200 quilômetros ao norte de La Paz, para retomar a guerrilha em Ñancahuazú, abortada três anos antes com a morte de seu comandante, Ernesto Che Guevara.
Dippy entrou com o codinome Eugenio, mas todos os chamavam pelo apelido adquirido no treinamento em Cuba, por abrasileirar a expressão “de pinga” – “di pinga”, ele dizia -  popularmente usada para se referir a algo formidável. Daí, virou Dippy.
Apartados do grupo, peruano e brasileiro passam quase 30 dias lutando pela sobrevivência na selva boliviana. Comem palmito e mascam folhas de coca para não morrer de inanição. Tentam chegar a algum povoado sem serem capturados pelo Exército. No último registro de seu diário, o brasileiro escreve:
- Hoje é uma data que não posso deixar de lembrar: dia 25. Faz quatro meses que me casei com Susana e hoje lembro dela mais do que nunca. Sinto falta dela e quero encontrá-la. Espero fazer isso antes do dia 1º de novembro e não pretendo me separar dela nunca mais.
O reencontro com a esposa, que àquela altura esperava um filho, nunca aconteceria.

Gaúcho de Formigueiro

Luiz Renato Pires Almeida é um dos 13 desaparecidos políticos brasileiros em território estrangeiro. As circunstâncias de sua execução nunca foram esclarecidas, tampouco seu corpo foi encontrado. O caminho que o levou de Formigueiro, no interior do Rio Grande do Sul, onde nasceu em 18 de novembro de 1943, até as montanhas bolivianas, onde morreu no começo de outubro de 1970, é o que se conta a seguir.
Caçula de 11 irmãos, filho de um agricultor, Lucrécio, e de dona Doca, apelido de Maria Conceição, o menino de Formigueiro foi morar na cidade aos 7 anos, quando o pai comprou uma “venda” em São Sepé, então sede do distrito. Em março de 1951, a família se instalou numa casa localizada no número 747 da rua 7 de Setembro.
Era um guri “medonho”, lembra a irmã Deni, e gostava de jogar futebol. Cursou metade do ginásio no Colégio Madre Júlia, de freiras, e concluiu o ensino fundamental no Colégio Estadual Tiaraju, onde fazia parte da chapa eleita para o Grêmio Estudantil em 1960. Ainda assim, contam os amigos, o garoto gostava mais das festas do que da política.
No Rio Grande do Sul, vivia-se a efervescência da Campanha da Legalidade, liderada em 1961 pelo governador Leonel Brizola, do Partido Trabalhista Brasileiro, para garantir a posse do presidente João Goulart, depois da renúncia de Jânio Quadros. A família comandada pelo pai, simpatizante da União Democrática Nacional (UDN), era politicamente conservadora.
A primeira influência mais à esquerda viria do professor Gerôncio Vaz, adepto dos ideais trabalhistas, que se tornaria um grande amigo de Renato. Mas ele só descobriria a política para valer ao se mudar em 1962 para Santa Maria, maior cidade da região, para cursar o Clássico no Colégio Estadual Manuel Ribas, o tradicional Maneco, e cumprir o serviço militar no 7º Regimento de Infantaria. Ali, voltou a ter contato com armas, das quais aprendera a gostar nas caçadas com os irmãos.

Na cintura, uma pistola de três canos

Em fevereiro de 1963, Renato ingressou na primeira turma do Colégio Agrotécnico da recém fundada Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Eleito para a diretoria do Centro de Estudantes do Colégio Agrotécnico, entrou de cabeça no movimento estudantil, mobilizado na defesa das reformas de base propostas pelo presidente João Goulart.
Ao 20 anos de idade, mais velho que a maioria da turma do ensino técnico, Renato impressionava. “Como era o mais velho da turma, era o líder da gurizada. Gostava de trago, fumava, andava armado. A gurizada achava o máximo”, recorda o colega Beto Vargas, hoje médico na cidade de Bagé. A pistola de três canos que carregava na cintura é uma lembrança dos amigos da época. “Foi a única vez que vi uma pistola daquelas”, recorda Rogério Vargas, irmão de Beto.
Rogério e Beto dividiam um quarto com Renato em uma pensão de Santa Maria. Renato tinha o costume de tomar chimarrão com Rogério pela manhã, para escutarem um programa da Rádio Nacional de Moscou transmitido em português.
Para a família, era visível a transformação do filho mais novo. “Nas primeiras férias que voltou de Santa Maria, era outra pessoa”, diz Zeca, um dos irmãos. “O Renato conversava um pouco com a gente e já vinha com a pregação do Mao Tsé-Tung”, lembra, achando graça. “Não seja tapado, tem que abrir os olhos”, dizia a Zeca. Chamava o pai de “tubarão” por estar politicamente ao lado dos ricos. Mas não deixava de abraçá-lo e chorar quando se despedia da família para retornar a Santa Maria. O apego à casa o faria escrever cartas aos irmãos de todos os lugares onde viveria depois.

Liderança estudantil

Em janeiro de 1964, Luiz Renato retornou de um congresso na Paraíba eleito presidente da União Nacional dos Estudantes Agrotécnicos (UNEA). Quase por acaso assumiu o cargo que o levaria à clandestinidade.

(recomendo que siga a leitura na íntegra) ->

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