segunda-feira, 30 de março de 2009

Mirar Battisti, acertar a multidão


O verdadeiro alvo da campanha contra o abrigo ao ex-militante italiano são as lutas sociais brasileiras. Usa-se para tanto uma visão petrificada da legalidade, que Thomas Jefferson denunciou há três séculos. É triste ver Carta Capital como coadjuvante desta cena.

Por Giuseppe Cocco, Le Monde Diplomatique


(...) Em matéria publicada em 1º de março de 2009, O Estado de São Paulo – para citar apenas um órgão de imprensa – afirma o contrário de todas as evidências: "STF vai extraditar Battisti, se seguir rito" , lê-se logo no título. Não se sabe que critérios dariam tanta segurança aos jornalistas João Bosco Rabello e Felipe Recondo para afirmar tal coisa, pois o STF recusou a extradição de todos os italianos refugiados no Brasil, a partir de acusações relacionadas a eventos dos movimentos da década de 1970 [1].

O que a mídia deveria constatar, se fosse isenta, é que uma decisão diferente do STF seria uma ruptura com sua própria jurisprudência: uma ruptura que não teria explicações jurídicas, mas sim políticas. Mas lembremos das manchetes produzidas logo depois da concessão, pelo ministro Tarso Genro, de refúgio a Battisti. Falavam em "dois pesos e duas medidas" entre a decisão relativa ao “terrorista” (Battisti) e a “deportação” (inventada) dos atletas de Cuba! Está fartamente demonstrado, hoje que os atletas voltaram a Cuba porque quiseram fazê-lo. Exatamente o que se sabia, à época. Exatamente o contrário do que os jornais publicavam. O vexame e a falta de profissionalismo, aparentemente, não são suficiente para que se peça desculpas.

A hipocrisia da mídia conservadora combina-se à histeria da cruzada de um colunista e do editor de um semanário que se pretende alternativa à mídia de mercado. Já vimos em outros momento que o conhecimento deles da história política da Itália contemporânea é simplório e redutor. Mas há uma “outra” linha de argumentação capital nessa Carta. Sempre com o objetivo de defender “pela esquerda” a extradição de Battisti, Mino Carta e Walter Maierovitch recorrem sistematicamente a entrevistas ou citações dos que eles chamam de “magistrados vermelhos” italianos. A mobilização das entrevistas desses magistrados rossi se faz, em primeiro lugar, com o objetivo de confundir as tradicionais clivagens políticas e, em segundo lugar, os campos de atuação. Mistura-se luta contra o terrorismo e repressão dos crimes de colarinho branco, pelo simples fato de os ditos magistrados “vermelhos” atuarem na repressão da corrupção e/ou da máfia e outras formas do crime organizado italiano.

Superficialmente, esta confusão parece proposital e instrumental. Mas, se olharmos com mais cuidado, podemos ver que Carta e Maierovitch incorrem, de fato, num embaralhamento político e teórico.

Nesta justiça de justiceiros, os derrotados não teriam jamais qualquer direito; mas, pela ousadia de ter enfrentado o poder, a punição eterna e eternamente “atualizada”. Esse é o substrato dos argumentos de Maierovitch e Carta

Em primeiro lugar, i magistrati rossi, os “magistrados vermelhos” dos quais tanto se orgulham Mino e Walter não são problema para quem defenda o refúgio para Battisti e a anistia para os anos 1970. O problema está no fato que o cromatismo político aqui invocado é absurdo. Por que esses magistrados italianos haveriam de ser "vermelhos", se o partido de referência (o Partito Democrático, PD) não o é mais, há muito tempo? Porque, nos dizem, assim os chamam os berlusconianos. Mas então, por que os supostos "vermelhos" estão do mesmo lado de Berlusconi na perseguição dos ex-militantes dos 1970 ? A tinta pega somente de um lado? Será, para comparar com o Brasil, que o PPS de Roberto Freire, fiel aliado do PSDB, seria "vermelho"?

O que Mino e Walter não querem entender – ou não podem – é que a esquerda italiana sumiu do mapa; o PD é como se fosse um grande PPS. Aqueles magistrados “vermelhos” são problema – que deveria fazer avermelhar as caras – para Mino e Walter, tanto quanto são problema também os ex-comunistas que votam com os fascistas, com os "leguistas" xenófobos, e com o partido de Berlusconi (que mudou as leis para escapar à cadeia), contra os militantes da década de 1970. Por trás dos fogos de artifício e frases rápidas, e de referências a combates contra a máfia e o colarinho branco, é Walter que deve explicar (e explicar-se) essa sagrada união, com todas a promiscuidades que ela implica com os crimes do colarinho branco. A tese em que Carta Capital funda-se é simplória e historicamente insustentável: a Itália seria democrática, naqueles anos; a resistência teria sido terrorismo. Por esse tipo de justiça de justiceiros, os derrotados não teriam jamais qualquer direito, além de punição eterna e eternamente “atualizada”, pela ousadia de ter enfrentado o poder. Esse é o substrato dos argumentos de Maierovitch e Carta. Em segundo lugar, as posições de Mino e Maierovitch derivam de um outro viés, particularmente problemático e com relação ao qual o caso Battisti e um revelador eficaz.

Da mesma maneira que o fizeram os magistrados ligados ao que era a esquerda italiana, Carta e Maierovitch aplicam uma visão política fundamentalmente conservadora. Segundo eles, a Itália era e é uma democracia. Essa democracia foi perturbada pela violência do terrorismo (na década de 1970). Sua repressão permitiu a manutenção da democracia. Essa repressão não pode prever nenhum reconhecimento da revolta, nem abrir mão da perseguição (se cometidos no Brasil, os supostos crimes de Battisti já estariam prescritos).

Mino e Walter enxergam a Lei como um mecanismo acima do conflito social, algo que seria primeiro, anterior à legitimidade e à sua produção. Para eles, a “lei” tem princípios próprios: divinos. Eles acreditam mesmo que a magistratura e a “judicialização” dos direitos e da sociedade civil sejam um avanço democrático. Pensam que um dos problemas do Brasil – e, mais em geral, das democracias – seja mesmo a impunidade, a falta de um rigoroso respeito à Lei. Para eles, o vigor da Lei (a força da Lei) seria o fato do rigor da Lei.

Há três séculos, Jefferson frisou: “O espírito de resistência ao poder é tão valioso em determinadas ocasiões que eu desejo que ele seja sempre mantido vivo. Ele será muitas vezes exercido mesmo quando é um erro, mas isso é melhor de que não ser exercido nunca”

Ou seja, a violência, a violação dos direitos seriam sempre a conseqüência do não respeito da ordem e da Lei. Mas isso é – inclusive desde o ponto de vista liberal – completamente falso: a força da Lei está na existência de contra-poderes. A dinâmica desses contra-poderes atravessa, e ao mesmo tempo é atravessada, pela realidade que eles enfrentam. A Lei sem legitimidade e sem contraditório não é nada de mais do que a Lei da força, a efetividade que constrói sua própria e exclusiva legitimidade, legitimidade da opressão.

Esse tipo de postura ignora, por um lado, que a legitimidade da Lei está na democracia como espaço do contraditório, do conflito e, em última instância, no poder constituinte: a legitimidade capaz de construir sua própria legitimidade. O consenso que forma o alicerce da república deve necessariamente construir-se pelo reconhecimento do conflito. Algo que Thomas Jefferson explicitava nesses termos: “O espírito de resistência ao poder é tão valioso em determinadas ocasiões que eu desejo que ele seja sempre mantido vivo. Ele será muitas vezes exercido mesmo quando é um erro, mas isso é melhor de que não ser exercido nunca” .

Por outro lado, essa visão “judiciária” da transformação social é incapaz de ver que, no Brasil,lei da força sobrevive, desde sempre, dentro da força da lei. Quando o campo foi para as cidades e as transformou em metrópoles monstruosas, o crime do poder tornou-se o principal mecanismo de regulação biopolítica das populações. A violência endêmica, em todas as suas formas e, sobretudo, nas formas supostamente mais “organizadas”, constitui a face visível de um poder cujos tratos tecnocráticos nem conseguem mascarar o horrível rosto neoescravagista. A única paz que esse poder pode proporcionar é, na realidade, a paz do medo.

É exatamente o que podemos observar de maneira nítida nesses dias: o presidente do STF, Gilmar Mendes, ergue-se como defensor das liberdades dos presos nas operações da Policia Federal contra banqueiros, empresários, comerciantes (quer dizer contra uma elite que até hoje era intocada). Ao mesmo tempo ameaça com o rigor da Lei as lutas do MST. A Lei é a mesma, mas, para os ricos (banqueiros), clamam-se as garantias constitucionais ao passo que, para os pobres sem-terra, pede-se o rigor punitivo da Constituição. É por isso que um movimento de democratização não deve nunca cair na armadilha de pensar que seus problemas serão resolvidos pela magistratura, pela polícia ou, mais em geral, pela ampliação dos poderes do Estado. É por isso que a elite está sempre pronta a organizar uma CPI (quando o governo não é completamente controlado por ela) ou uma frente parlamentar contra a corrupção. A corrupção do poder (dos ricos) é usada contra toda tentativa de constituição da potência (dos pobres). A denuncia retórica da impunidade da elite (dos ricos) serve para chamar para mais punição contra os pobres.

A indecência dos que pedem “rigor” aparece clamorosamente quando lembramos os editoriais redigidos quando da prisão de Daniel Dantas. Nesses, assumiam-se com veemência posições de defesa das garantias constitucionais — e, pois, da “tibieza”...
(...)

Leia o artigo na íntegra aqui. Vale a pena.
[1] O STF recusou quatro pedidos anteriores, reconhecendo cada vez com mais propriedade e lucidez a natureza política dos crimes imputados.
.

sábado, 21 de março de 2009

Conspirações contra a Conferência de Comunicação


Sindicato dos Jornalistas do DF repudia o relatório da SIP sobre o Brasil

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal repudia com veemência a posição da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), contrária à realização da Conferência Nacional de Comunicação no próximo mês de dezembro, conforme foi anunciado recentemente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A SIP é a entidade que representa os empresários da grande imprensa em âmbito continental, com notória hegemonia de donos de meios de comunicação dos Estados Unidos e uma extensa folha corrida de conivência com as antigas ditaduras militares da região.

Nosso Sindicato apoia firmemente a realização da Conferência Nacional de Comunicação, nos termos estabelecidos pela sociedade organizada em torno da Comissão Pró-Conferência.

Consideramos que a Conferência é o espaço democrático onde a sociedade poderá debater e encaminhar as mudanças necessárias no atual modelo de comunicação social brasileiro para permitir uma verdadeira democratização dos meios de comunicação.

A SIP e seus aliados da grande imprensa brasileira dizem que "estão preocupados porque os debates (na Conferência Nacional de Comunicação) serão conduzidos por ONGs e movimentos sociais que pretendem interferir no funcionamento da imprensa".

O que pretendem os grandes empresários da comunicação? Pressionar o governo para retirar o apoio à Conferência, facilitando assim a manutenção intacta dos oligopólios que dominam, e que manipulam a informação, em detrimento do interesse público.

O Sindicato dos Jornalistas do DF defende a discussão ampla e democrática de todos os temas que envolvem a Comunicação Social, nos âmbitos privado, estatal e público. Está na hora de discutirmos um novo marco regulatório para o setor. Estamos convencidos de que a Conferência Nacional de Comunicação será o lugar ideal para a consecução desses objetivos.

Brasília, 19 de março de 2009.

Romário Schettino
p/Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal

quarta-feira, 11 de março de 2009

Teatro na Terra

Enedino, Washington, Edmar, Fran, Francisca, Neuda, Nilo
e Manu, no Centro de Formação. (foto Leila Jinkings)

Teatro na Terra
Cultura Popular no assentamento

Leila Jinkings


Neuda, Fran, Francisca, Manu, Edmar, Enedino e Washington integram o Ponto Cultural Construção e Democratização, localizado no assentamento "Gabriela Monteiro" do MST, na área da Fassincra, próximo à Brazlândia. O objetivo é de promover atividades para o desenvolvimento cultural, com oficinas de Teatro, Capoeira, Artes Plásticas e Música. Criam e encenam peças teatrais e mantém o projeto "Cinema na Terra".
Neuda conta que há seis anos está no MST. Logo começaram a dar os primeiros passos com o Teatro do Oprimido. "Havia uma companheiro que juntava as pessoas para fazer roda de folia, brincar, tocar violão... E iniciou o teatro. Dois companheiros foram fazer uma oficina de Teatro Épico em Brasília e, ao retomar, reuniram um grupo de quatorze pessoas para repassar o que aprenderam. Montamos então a nossa primeira peça: uma fábula chamada Trapuia. A peça foi uma criação coletiva, levou nove meses para ser concretizada e ficou muito engraçada. Havia uma crítica ao autoritarismo de um companheiro de comando"
A fábula Trapuia fez sucesso na apresentação interna ao Assentamento e foi apresentada em outras instâncias.
O grupo conseguiu formalizar um ponto de cultura e, ao apresentar a peça teatral no MinC, Augusto Boal em pessoa foi até o assentamento para montarem um projeto para levar para o Teia 2006, no Pavilhão da Bienal. Com Boal, montaram também uma peça sobre o massacre de Sem Terras no Eldorado de Carajás.
Com a verba do projeto, eles fizeram a adaptação do antigo depósito de máquinas e veneno da fazenda. Inicialmente, construíram paredes, consertaram o telhado, fizeram banheiro e compraram carteiras, para poderem ministrar aulas e oficinas "para o assentamento e para outras brigadas". Em seguida, adquiriram computadores e instrumentos musicais: violões, pandeiro e violão elétrico.
Hoje o grupo já tem sete peças e os demais acampamentos também formaram grupos de teatro.
R - E a burocracia para responder ao edital? Foi muito difícil?
Neuda - Foi, teve muitas coisas para providenciar. Mas como somos uma organização, o setor administrativo foi quem cuidou da papelada. Tem que prestar conta de tudo, também. Dá trabalho.
R - Foi a primeira vez que conseguiram apoio cultural?
Neuda - Nos já tínhamos setor de cultura, mas devido à falta de apoio não andava. Agora a gente não precisa ir ver o teatro fora, por que sabemos que nós podemos fazer Teatro. Fazer a nossa cultura.
Neuda - Ela é formada em cultura (aponta para Manu). Veio da Bahia, participou do MST da Bahia desde 86 e estudou filosofia na UFMG. Manu, canta uma música.
Manu toma o violão e canta uma canção que fala de Reforma Agrária. O grupo canta junto:
Sabemos que o capitalista
diz não ser preciso ter
Reforma agrária
Seu projeto traz miséria
Milhões de sem terra
Jogados na estrada
Com medo de ir pra cidade
Enfrentar favela
Fome e desemprego ...
.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Berlusconni ou Dom Corleone tupiniquim?


"Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stedile classificou o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, de "Berlusconni tupiniquim" e defensor de "militares da ditadura". Segundo Stedile, Mendes "desde que assumiu (no STF), (...) ataca os povos indígenas, os quilombolas, os direitos dos trabalhadores, dos operários".

Ainda segundo o militante do MST, a (revista) Carta Capital acertou “na mosca” ao identificar a vinculação das críticas de Gilmar com a administração de José Serra.

(...)

Stedile também refutou as acusações de Gilmar Mendes sobre a utilização supostamente irregular de recursos federais pelas entidades do movimento sem-terra.

– Isso não passa de um jogo de palavras – disse.

Segundo ele, durante o governo FHC uma série de funções que originalmente pertenciam ao Estado, como a contratação de agrônomos para oferecer assistência técnica aos agricultores e a alfabetização rural, foram repassadas para Organizações Não Governamentais, criadas com incentivo da administração federal.

Ao final do governo FHC, pontua Stedile, o uso dos recursos pelas entidades ligadas ao movimento sem-terra também havia sido questionado.

– Foi uma paranóia. Eles investigaram exaustivamente conta por conta e nada encontraram – afirmou.

O coordenador do MST questionou ainda a inexistência de críticas sobre a ONG Alfabetização Solidária, criada pela ex-primeira-dama Ruth Cardoso que, segundo ele, recebeu R$ 330 milhões dos cofres públicos.

– Provavelmente, foi o programa de alfabetização de adultos mais caro do mundo – concluiu.

Às 13h04, o CdB tentou, sem sucesso, localizar o presidente do STF, Gilmar Mendes, para as possíveis manifestações dele acerca das denúncias." (leia na íntegra no Correio do Brasil)

Que moral tem o Juiz que preside o Supremo? Estamos indo por um caminho muito perigoso, permitindo tal desrespeito às instituições mais sagradas da República. Gilmar Mendes não tem a menor condição moral de estar em qualquer posto público. Que dirá este, de tal importância que é o Presidente do Supremo Tribunal Federal. Impeachment nele.

Leia Também O Impeachment de Gilmar Mendes
Abaixo Assinado 1
Abaixo Assinado 2

BRASIL NUNCA MAIS

BRASIL NUNCA MAIS
clique para baixar. Íntegra ou tomos